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A inevitável fragilidade que chegará em nossas vidas – e que abominamos

No sábado passado, estava em um restaurante, quando vi uma família chegando. Uma neta empurrava a cadeira de rodas da avó, seguida pela mãe. O pai vinha logo em seguida com o outro filho, em uma conversa animada. A senhora, que aparentava mais de noventa anos de idade, foi transferida para a cadeira da mesa e todos começaram a falar ao mesmo tempo, como em um filme italiano. Ela era despachada e alegre – e via-se que era mãe do homem da mesa, por conta dos cuidados e atenção que ele dispensava à anciã.

Apesar da desenvoltura da idosa, ela se movimentava com dificuldade e hesitava ao manipular o garfo e a faca. Aquela situação começou a me incomodar, embora eu não soubesse qual a razão. Me distraí com o bate-papo em minha mesa e esqueci da velha senhora.

Ontem, me lembrando do episódio, descobri duas razões para que eu ficasse incomodado.

A primeira é que minha mãe faleceu aos 58 anos e teria 88 anos em 2023. Ou seja, se ela estivesse viva, provavelmente eu estaria almoçando com ela e dispensando o mesmo tipo de atenção que o rapaz de sábado passado. Lidando com as dificuldades de locomoção (dona Edna sofria de artrite reumatoide, mesmo muito nova), provavelmente ela precisaria de auxílio para se locomover e minha filha estaria empurrando a avó cadeirante. Ou seja, aquele pessoal poderia muito bem representar a minha própria família, caso minha mãe não tivesse morrido tão cedo.

A outra razão é que muita gente se incomoda com a fragilidade demonstrada pelos mais velhos – é uma espécie de “heads up” daquilo que o futuro nos reserva diante da inevitável decadência física que nos aguarda. Podemos, evidentemente, retardar esse enfraquecimento com exercício e alimentação adequada. Mas, principalmente, vejo que é necessário deixar a mente ocupada o tempo todo. Neste caso, o exemplo do meu pai, aos 89 anos, é fortíssimo. Ele tem uma rotina de trabalho em casa que é invejável. Escritor, ele está sempre trabalhando em um livro – seja pesquisando, seja escrevendo. Mas a cabeça está sempre funcionando e a postos para agregar mais informações e produzir conclusões.

Nos incomoda a decadência física alheia pois não queremos enxergar o próprio futuro. A ideia do envelhecimento irreversível é amarga e dura de engolir. Minha esposa e minha filha vivem dizendo que não querem ficar velhas. Eu dou sempre a mesma resposta quando elas falam isso: “A alternativa é muito pior”.

A fragilidade é terrível porque nos tira a dignidade, que está baseada em nossa independência. Conforme somos privados dessa independência e passamos a precisar dos outros para atividades cotidianas, que desempenhávamos sem pensar, ficamos a um passo da depressão. E precisamos nos precaver contra isso.

Vivi a limitação de movimentos físicos de 2017 a 2022, quando as cartilagens dos meus quadris começaram a se desgastar. Tive de fazer duas cirurgias para substituir os fêmures por próteses. Antes de cada operação, senti muitas dores – e nos momentos de pós-operatório também. Nessas situações, vivi o que experimentava aquela velhinha do restaurante: a necessidade absoluta de precisar dos outros para me locomover.

Essa necessidade de submeter a ajuda alheia é algo que provoca uma revolta silenciosa – e um mau humor gigantesco. Não é à toa que muitos velhos são ranzinzas: lidar com a decadência física (e até mental) é um esforço hercúleo e desgastante.

Por isso, precisamos nos preparar psicologicamente para a chamada Terceira Idade. Temos que retardar a decadência física ao máximo. Mas é necessário aceitarmos a ajuda de quem nos segurar pelo braço. E precisamos ter em mente que vamos nos tornar, com o passar do tempo, em uma referência para a família. A escritora Elena Ferrante (um pseudônimo – não sabemos ao certo nem se é mesmo uma mulher), no livro “A Amiga Genial”, descreve uma personagem da seguinte forma: “Embora ela fosse frágil em aparência, cada proibição perdia substância em sua presença”.

Talvez essa seja a essência daquilo que precisamos preservar durante a fase final da vida: fazer os outros respeitarem a sua vontade acima das regras. Pois, quando envelhecemos, sempre queremos criar a nossa própria Constituição – desde que isso não seja um estorvo para os outros.

Outro exemplo a ser seguido está no livro “Mit Hundert Hat Man Noch Träume” (“Aos Cem, Você Ainda Tem Sonhos”), do fotógrafo Karsten Thormaehlen, que registrou apenas pessoas que tinham passado da marca dos cem anos de idade com galhardia e elegância (imagem). Quem sabe nós conseguiremos fazer o aniversário de um século e ficar com uma estampa parecida com a da senhora que ilustra a capa do livro?

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Comentários

Respostas de 2

  1. Parabéns! Texto maravilhoso!
    Lendo e identificando o q estamos vivenciando. Minha mãe, 96 anos, se enquadra no 9• paragrafo. Não tem problema de locomoção, mas deficiência visual o q faz c q ela não aceite suas limitações.

  2. Concordo com Deuscinea: texto maravilhoso!
    Um alerta para nós cuidarmos física e mentalmente. E também para cuidarmos das relações com aqueles com quem queremos viver está fase inevitável da vida. Família e amigos. Hora de deixar de lado pequenas rugas e aproveitarmos cada momento de vida e principalmente da vida com os outros. Ajudando e sendo ajudado.

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