Deirdre McCloskey (imagem) é o perfeito exemplo de como os rótulos tradicionais não valem muita coisa neste Século 21. Os liberais na economia são considerados no Brasil alinhados com os conservadores de maneira geral. E Deirdre é uma professora emérita da Universidade de Illinois, em Chicago, tendo sido assistente do Milton Friedman, um dos papas do liberalismo econômico. Ela, aos 80 anos de idade, é uma das maiores defensoras do laissez-faire como a saída para a solução das desigualdades mundiais. “O melhor e maior caminho para obter enriquecimento das pessoas mais pobres é o livre mercado”, diz ela. “A caridade não é a melhor forma de resolver esse problema”. Também em nosso país, os direitos da comunidade LGBTQIA+ são alinhados com quem é de esquerda.
Ocorre que a professora de Chicago também é uma defensora desses direitos – e ela, por sinal, é uma mulher trans que nasceu com o nome de Donald.
Aqui no Brasil, os cristãos mais fervorosos são igualmente alinhados com o conservadorismo de costumes. E, consequentemente, aqueles que estão alinhados com a causa gay teoricamente não seriam religiosos. Deirdre, no entanto, se define como uma cristã anglicana. Ela diz, em um de seus ensaios: “O coração da teologia cristã é o livre arbítrio. Deus não quer que sejamos os seus bichinhos de estimação, mas indivíduos autônomos, capazes de escolher entre o bem e o mal e vivendo em um mundo no qual um terremoto como o de Lisboa em 1755 pode ocorrer”.
Deirdre é um retrato de nosso tempo, no qual há um caldeirão de influências que resulta em um mundo diferente. É como se a realidade de alguns anos atrás fosse pintada em preto e branco; depois, passamos a conviver com 50 tons de cinza. Por fim, entramos em um cenário absolutamente tecnicolor, com todas as nuances e sutilezas que ficaram aparentes com a miscigenação de ideias, conceitos e valores.
Especialista na obra de Adam Smith, o inventor do conceito da mão invisível do mercado, a professora rejeita as ideias socialistas com veemência. E um dos veículos em que defende essa posição é justamente o jornal Folha de S. Paulo, no qual há outros articulistas que professam exatamente o contrário.
Aliás, em sua última coluna, publicada anteontem, tem um trecho muito interessante: “Quando um político afirmar que seu novo e maravilhoso ‘programa’ pago com seu dinheiro ‘cria empregos’, cuidado. E se um economista usar o mesmo vocabulário de ‘criação de empregos’ e ‘efeitos multiplicadores’, coloque-o numa lista de não economistas que se dizem economistas. […] Você não ‘cria empregos’ gastando dinheiro, você os cria pensando em novas maneiras de fazer as coisas, enriquecendo todos nós”.
Exemplos como o de Deirdre vão crescer numericamente com o passar do tempo aqui no Brasil. O ser humano está se transformando e as redes sociais têm um papel enorme neste processo. As pessoas estão se expondo mais do que nunca e descobrindo que existem muitos indivíduos como elas – não importa o quão diferente cada um de nós seja.
Além disso, as redes permitem que as pessoas entendam melhor o caldeirão de influências que está dominando o planeta. O problema disso tudo? Estamos ainda aprendendo como desfrutar desse processo, com todos os exageros que surgem em um eventual aprendizado. Nos tempos atuais, podemos dizer que ainda estamos longe de conseguir um comportamento maduro em relação à vida digital.
Nossas manifestações nas redes invariavelmente nos levam a fortes emoções e a desentendimentos. Mas, talvez com o tempo, aquilo que nos parece ser esquisito seja encarado com naturalidade no futuro – e as opiniões divergentes, nesse mesmo amanhã, possam ser interpretadas como algo normal dentro de um diálogo aberto. Isso seria idealismo? Sim. Mas sem esperar o melhor do futuro, a vida fica muito chata, previsível e negativa.