O presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos últimos dias resolveu cutucar duas onças com a vara curta.
Em primeiro lugar, o governo anunciou um bloco parlamentar com o apoio de 142 congressistas. A ideia era medir forças com Artur Lira e mostrar que o Planalto tem uma base expressiva, minando a autoridade do presidente da Câmara. A resposta de Lira não tardou: logo depois, ele apresentou o seu bloco. São 173 deputados, o maior grupo parlamentar suprapartidário dos tempos atuais. Isso significa uma coisa só: nada pode ser aprovado no Parlamento sem a anuência de Lira.
Outro murro em ponta de faca foi a disposição do presidente em se alinhar com a China e provocar diretamente os Estados Unidos. Como se fosse um líder estudantil, Lula parece ainda viver na época da Guerra Fria, querendo enfrentar a maior potência do mundo por questões ideológicas.
No caso do bloco governista, Lula quis demonstrar força e independência em relação ao presidente da Câmara. Acabou provocando alguém que pode ser forte como aliado e ainda mais poderoso como oponente. Neste aspecto, Artur Lira lembra a personagem Tira, interpretada por Mae West, no filme “Santa não sou” (“I’m No Angel”, de 1933). Em um determinado momento, ela diz: “Quando sou boa, sou ótima. Mas quando sou má, sou melhor ainda”.
Lira mostrou que o tamanho de seu cacife poderá criar impasses para o governo – especialmente em um momento no qual teremos inúmeras negociações em torno da aprovação do novo Arcabouço Fiscal e da Reforma Tributária. Com o anúncio do bloquinho de 142 deputados, Lula acabou criando um mal-estar desnecessário, em uma atitude aparentemente kamikaze. O que ele ganhou com isso?
No fundo, essa equipe de apoio incontestável ao governo não é muito diferente daquela que tinha Dilma Rousseff em 2016. Durante a votação do processo de impeachment, ela teve apenas 137 votos em seu favor. Na prática, isso pode mostrar que o PT, de maneira geral, tem controle apenas sobre 27 % do Congresso. Só há uma forma de ampliar esse poder: é preciso negociar, colocando verbas e cargos em cima da mesa.
A reação de Lira era facilmente esperada. Portanto, a criação do bloquinho petista parece um erro de amador. Como um experiente político de 77 anos cai em uma esparrela dessas? Só há uma explicação: ele está se deixando levar pura e simplesmente pelas emoções.
O mesmo vale em relação aos Estados Unidos. É possível afagar a China sem desagradar aos Estados Unidos. Ainda assim, Lula fez questão de traçar uma linha pontilhada entre o Brasil e o Tio Sam. Qual a vantagem que levamos nisso?
Dentro deste contexto, é preciso lembrar que os EUA não são mais governados por Donald Trump, que se dizia amigo pessoal de Jair Bolsonaro (mas que nunca moveu uma só palha para ajudar o Brasil em sua relação comercial com os americanos). O atual inquilino da Casa Branca é Joe Biden, que já se mostrou simpático a Lula em diversas ocasiões, com o devido apoio do Partido Democrata. Partir para o confronto com quem poderia ser seu apoiador não parece ser a decisão mais sensata em termos de diplomacia internacional.
Diante disso, é o caso de se perguntar: quais serão os próximos murros em ponta de faca de Lula? Até quando ele vai jogar para a torcida petista? Até quando ele vai resistir aos apelos de “Terra chamando” e ouvir aquilo que políticos e empresários ponderados têm a dizer?