Ouvi no rádio nesta semana uma lista elaborada pelo Ecad – o órgão que administra os direitos autorais de música no Brasil – sobre as dez músicas nacionais mais gravadas. A primeira, “Garota de Ipanema”, tem 442 versões; a décima, “As Rosas não Falam”, possui 235 gravações. Das dez primeiras colocadas no ranking, seis são composições do maestro Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (sozinho ou acompanhado de letristas como Vinícius de Moraes e Newton Mendonça).
Além de gênio musical, Tom Jobim foi um grande frasista e surpreendia seus interlocutores com petardos atordoantes. Alguns exemplos:
+ “Viver no exterior é bom, mas é uma m… . Viver no Brasil é uma m… , mas é bom”.
+ “No Brasil é tudo importado: eu, você, a língua, os índios, a cana-de-açúcar e o café”.
+ “No Brasil, o sucesso é uma ofensa pessoal”.
+ “O Brasil é um país úmido e hereditário. As coisas se estragam com a umidade e passam como estão para a geração seguinte, aí se estragam mais”.
+ “O dinheiro não é tudo. Não se esqueça também do ouro, dos diamantes, da platina e das propriedades”.
+ “O Brasil não é para principiantes”.
+ “Assim como o brasileiro foi educado para perder, o americano foi educado para ganhar”.
+ “Nenhuma situação é tão complicada que uma mulher não possa piorar”.
+ “O Brasil cultua o fracasso”.
+ “Quando me casei descobri a felicidade. Mas aí já era tarde demais”.
Conheço duas histórias com Tom Jobim – em uma, ele é o personagem principal; na outra, não é nem secundário (mas sem o seu envolvimento, todo o episódio não teria ocorrido).
A primeira é um caso contado por meu pai, que saiu para jantar com amigos do meio musical no Rio de Janeiro. Chegaram a um restaurante e fizeram uma mesa comprida. Por uma coincidência, ele se sentou exatamente em frente a Tom Jobim. O garçom, então, passou pelo lado do maestro tirando os pedidos (ele escolheu um prato refinado, do qual meu pai não se lembra qual era). Quando chegou a vez do velho Aluizio, ele disse que queria um Paillard de filé mignon bem batidinho, com fetuccine. Tom Jobim, ao ouvir o pedido dele, fez uma cara de quem havia aprovado a escolha.
Ao chegar a comida de todos, o autor de “Wave” mandou devolver o prato, alegando que não estava bom. E aí, casualmente, disse, apontando para o prato do meu pai: “Me traz um desse aí”. Quando o garçom se afastou, ele assumiu um ar maroto e disse ao meu pai: “Nâo tinha nada de errado com o meu prato… Mas eu fiquei com vontade de comer esse Paillard e na hora tive vergonha de cancelar o pedido…”.
A segunda história tem a ver com a churrascaria Plataforma, um restaurante no Leblon no qual Tom tinha uma mesa cativa, bem ao centro do salão, e almoçava quase que diariamente por lá. O local fez muito sucesso nos anos 1980 e 1990. Seu dono, Alberico Campana, era amigo dele desde o final dos anos 1950, quando abriu as boates “Little Club” e “Bottle’s Bar” no Beco das Garrafas, berço da Bossa Nova.
Corria o ano de 1992 e Tom Jobim era garoto propaganda do chope da Brahma (havia feito um comercial com a participação, via efeitos especiais, de Vinícius bebendo o líquido maltado – quando se sabia que o poetinha gostava mesmo era de destilados, em especial o uísque). O colunista Zózimo Barroso do Amaral, então, publicou uma nota na qual previa um constrangimento para o maestro, pois a Plataforma – seu ponto favorito – iria trocar a chopeira da Brahma por uma da Schincariol, que estaria disposta a pagar uma nota preta para Alberico.
Os diretores da Brahma, ao ler a tal nota, não se conformaram e foram para Plataforma ainda pela manhã. Entraram e pediram para falar com o dono, que já estava por lá. Ele convidou os chefões da empresa (já controlada pelos sócios da 3G, só que sob outra alcunha) a sentar-se na mesa de Tom Jobim. “O que vocês querem beber?”, perguntou Alberico. Todos pediram chope e foram atendidos.
Seguiu-se, então, uma discussão difícil. Os executivos disseram que dobrariam o que a concorrente tinha oferecido ao dono da churrascaria, além de outras vantagens. Alberico retrucou que era um homem de palavra e que a empresa, nos anos em que eles trabalharam juntos, nunca havia oferecido absolutamente nada – apesar da alta vendagem que ele proporcionava em seu ponto.
Um dos diretores, então, já meio embalado pelos chopes que consumira antes do meio-dia, tentou apelar: “Mas, Alberico… você vai trocar essa maravilha (apontando para a tulipa com a bebida geladíssima) por aquela porcaria?”.
O dono da Plataforma suspirou e respondeu:
– Não só vou, como já troquei. Desde que vocês chegaram, só tomaram o chope da Schincariol, essa maravilha que você gostou tanto.
Os executivos da Brahma, então, entreolharam-se e foram embora. Tom Jobim continuou a frequentar a Plataforma, mas deixou de beber chope…
A LISTA DO ECAD:
1. Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes – 442 gravações.
2. Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, e Carinhoso, de Braguinha e Pixinguinha – 430 gravações.
3. Asa Branca, de Humberto Teixeira e Gonzagão – 382 gravações.
4. Manhã de Carnaval, de Luiz Bonfá e Antonio Maria – 337 gravações.
5. Eu Sei que Vou te Amar, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes – 279 gravações.
6. Corcovado, Tom Jobim – 261 gravações.
7. Wave, Tom Jobim – 261 gravações.
8. Chega de Saudade, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes – 257 gravações.
9. Desafinado, de Tom Jobim e Newton Mendonça – 245 gravações.
10. As Rosas Não Falam, de Cartola – 235 gravações.