O feriado de hoje é dedicado à morte de Joaquim José da Silva Xavier, conhecido popularmente como Tiradentes e o único mártir do movimento conhecido como Inconfidência Mineira. Trata-se de um nome um tanto esquisito. Mas, naquela época, “inconfidência” significava ‘traição ao Rei” – e o que os rebeldes fizeram, na prática, foi questionar a autoridade de Portugal, especialmente em relação aos tributos cobrados.
Na época, 20 % de todo o ouro extraído em Minas Gerais ia para os cofres do Império e muitos exploradores não pagavam todos os impostos de uma só vez. Na década de 1780, porém, a Coroa portuguesa adotou a derrama (a cobrança de uma só vez de todos os tributos devidos, que incluía até o confisco de propriedades dos inadimplentes). Foi essa decisão que fez surgir o movimento dos inconfidentes, que passaram a conspirar contra Lisboa.
Neste sentido, pode-se dizer que a Inconfidência foi um dos poucos momentos em que brasileiros se rebelaram contra a carga tributária praticada no país – uma ação coletiva que terminou em perseguição e morte.
Muito se romantizou a respeito de Tiradentes e da Inconfidência – especialmente ao final do século 19, com o surgimento de um forte movimento republicano. Os defensores da República precisavam de símbolos nacionais de peso para lutar contra as forças imperiais e acabaram adotando a luta contra a derrama como ícone de libertação.
Foi nessa época que surgiu a ideia de que os inconfidentes queriam o rompimento com Portugal e a liberdade do Brasil. De fato, os insurgentes queriam emancipar Minas Gerais (e o Rio de Janeiro, pois era o caminho óbvio para escoar mercadorias através do mar), mas preferiam deixar o restante do Brasil na mão dos portugueses.
Tiradentes é guindado à condição de mártir também nessa época, a começar por uma repaginação em sua imagem. Registros históricos mostram que, como militar (retirava dentes como atividade paralela), ele não poderia usar barba. Mas os pintores ligados aos republicanos se inspiraram em Jesus para dar um aspecto mais heroico à estampa do inconfidente. Também sua imagem foi explorada durante os anos 1960, quando uma nota de 5000 cruzeiros foi lançada com o mineiro na efígie (e impressa em três cores: cinza, azul e vermelho).
Ele também não era um dos líderes do movimento rebelde – mas foi o único a admitir, nos interrogatórios, que conspirava contra a Coroa para combater a derrama. Foi escolhido, assim, para ser um bode expiatório. Enforcado, teve seu corpo esquartejado e membros expostos nas ruas de Ouro Preto (conhecida nesta época por Vila Rica). Tiradentes acabou sendo preso por conta do depoimento do coronel Joaquim Silvério dos Reis, que negociou uma espécie de delação premiada com as autoridades portuguesas para sair livre de acusações.
Estamos, portanto, celebrando neste dia não exatamente um herói – mas talvez um idealista ingênuo que foi vítima da conspiração bem costurada entre a elite local e as autoridades portuguesas. Isso, contudo, não tira o valor de seus sacrifícios ou de sua luta, pois atos heroicos também podem ser creditados aos cidadãos comuns.
Por isso, fica aqui o meu brinde ao alferes Joaquim José da Silva Xavier.