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O hábito de colecionar coisas vai acabar?

A vida digital moldou hábitos nas novas gerações. Um deles foi o de reduzir a importância dos objetos físicos. Antes, era importante possuir um disco de vinil ou um CD. Hoje, tudo está na rede, esperando que você acesse. E os carros? Comprar um era o sonho de dez entre dez baby boomers. Hoje, porém, os jovens preferem andar de Uber, transporte público ou fazer uma assinatura quando precisam de transporte. No mundo analógico, tirávamos fotografias e precisávamos revelar o filme, para termos uma foto impressa em mãos. Desde que a máquina fotográfica foi incorporada ao celular, no entanto, o filme desapareceu de vez e pouca gente imprime o que pode ser visto no display de seu smartphone.

A falta de hábito lidar com objetos físicos talvez nos leve a desistir do hábito de colecionar coisas. Mas eu confesso: nesse quesito, continuo sendo uma pessoa 100% analógica. Adoro uma coleção.

Lembro da primeira coleção que vi: um vizinho colecionava selos. Achei chatíssimo. Volta e meia ele largava o futebol com os amigos e ia cuidar de seu vício em filatelia. Até que, um dia, ele ganhou uma moto. Ficamos intrigados. O pai era um notório pão-duro. Como ele tinha conseguido comprar uma motocicleta? Foi aí que descobrimos o valor de um selo: ele havia comprado um exemplar valiosíssimo em uma feira em Campinas e o vendeu por uma nota preta. O pai trocou o carro e ele ganhou uma moto. Nada mal, não?

Mesmo assim, continuei a achar que colecionar selos era muito chato para mim. Voltei meu interesse para os discos de vinil. Cheguei a ter mais de mil. Substitui vários deles por CDs – até que os CDs começaram a desaparecer. Hoje, tenho milhares de músicas na minha conta de iTunes e, confesso, não sinto falta dos CDs. Mas continuo amando os discos de vinil. Ainda tenho cento e poucos discos – e adoro ficar olhando as capas e suas fichas técnicas.

Em minha casa, tenho uma coleção de miniaturas de carros – de bólidos de Fórmula-1 a veículos de passeio. Entre os de corrida, me orgulho particularmente de ter a Lotus 49C de Graham Hill, a Ferrari 312T2 de Niki Lauda e a Matra-Simca MS670 de Henri Pescarolo (ganhou três vezes a prova de Le Mans com essa máquina). Entre os de passeio, tenho dois favoritos: um Esplanada de 1966 e um TL azul 1972, igual ao que minha mãe teve.

Uma coleção que amo, mas não tenho tido a oportunidade de aumentá-la nos últimos anos é a de caixinhas de fósforos. O antitabagismo vigente nas últimas décadas desestimulou os restaurantes a produzir suas próprias caixinhas. Um dos poucos estabelecimentos que resiste a essa tendência e continua a oferecer fósforos a seus clientes é a steak house Smith & Wollensky, que fica na Terceira Avenida em Nova York.

Minha única diversão no mundo das coleções, hoje, é guardar rolhas dos vinhos que bebi e as anilhas dos charutos que fumei. Mas tenho um carinho especial por guardar os cartões magnéticos que servem de chaves nos quartos de hotel. O design de muitos desses cartões é magnífico e o efeito visual é fantástico. Antes, os hotéis até pediam as chaves de volta. Mas, hoje, ninguém me pede mais para devolver os cartões magnéticos. Desconfio que existem mais pessoas, além de mim, que têm o mesmo hábito.

Por fim, tenho uma coleção extraoficial de iPhones. O primeiro modelo e o modelo 4 ocupam lugares de honra em uma gaveta na qual eu deixo guardados esses antepassados dos smartphones.

Vou continuar recolhendo as chaves dos hotéis que frequentarei até inventarem uma traquitana que substituirá esses cartõezinhos coloridos (quem sabe a impresso digital do hóspede?). Sei que esse dia chegará. Mas, até isso acontecer, continuarei me divertindo com esse hábito. E já me imagino contando para os meus netos que os hotéis usavam chaves de verdade e depois cartões para que abríssemos as portas dos quartos. Imagino qual será a surpresa deles quando eu contar como as coisas funcionavam nos dias de hoje.

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