Quase todo mundo conhece a história em que um executivo da gravadora Decca, Dick Rowe, tinha de decidir com quem assinaria um contrato de gravação: a banda Brian Poole and the Tremeloes ou um obscuro grupo que vinha de Liverpool. Rowe decidiu que os Tremeloes gravariam. O nome da outra banda? The Beatles. Brian Epstein, o empresário dos Beatles, marcou uma reunião na gravadora para insistir na contratação. Ouviu de Dick Rowe uma frase que se tornou clássica: “Bandas com guitarras não têm futuro, senhor Epstein”.
Hoje, ninguém sabe quem é Brian Poole. Mas até uma criança de dez anos sabe quem foi John Lennon ou quem é Paul McCartney. Mais tarde, a banda assinou contrato com a Parlophone, que era uma divisão da EMI, um dos maiores conglomerados de entretenimento do planeta, baseada na Inglaterra.
O que muita gente desconhece é que os Beatles, apesar de serem um megassucesso na Inglaterra, foram descartados sucessivamente pela Capitol, a subsidiária da EMI nos Estados Unidos, baseada na Califórnia (seu edifício em Los Angeles, de arquitetura peculiar, é um ícone da cidade até hoje).
Naquela época, a EMI tratava a Capitol com muito cuidado, pois temia ser enquadrada nas leis americanas de antitruste. Dessa forma, não havia uma obrigatoriedade de a empresa americana lançar o catálogo britânico. O que acontecia? Quase cem por cento das gravações que eram sugeridas pela matriz em Londres eram rejeitadas pela direção da Capitol. Os discos para lá enviados iam inevitavelmente para o lixo, com uma resposta padrão – a de que o material não era apropriado para o público americano.
A EMI, então, se aproximou da Vee-Jay, uma gravadora pequena e lançou os primeiros compactos no mercado americano em 1963, sem grande sucesso. Como a Vee-Jay não possuía uma grande estrutura de divulgação, os Beatles naufragaram nas lojas americanas, apesar de liderar as paradas britânicas desde 1962.
Foi quando Len Wood, um dos diretores graúdos da EMI, perdeu a paciência com sua subsidiária e mandou a gravadora lançar os Beatles em solo americano. No início, a reação foi de lembrar das leis antitruste e uma vaga promessa de ouvir o material. Wood, exasperado, disse que aquilo era uma ordem e não quis mais saber do assunto. Alan Livingston, CEO da Capitol, surpreso com a ordem da matriz, levou alguns discos para casa e acabou gostando do que ouviu, mas duvidou que aqueles quatro cabeludos fossem fazer sucesso na terra do Tio Sam.
Quando os Beatles explodiram nas paradas, impulsionados por uma estratégia que incluía a presença no programa de TV mais visto nos EUA, The Ed Sullivan Show, Livingston passou a dizer para todos que ele havia descoberto o talento dos Beatles e lançado seus discos no país.
Aliás, a Capitol criou um problema para os músicos de Liverpool. Quando desembarcaram no continente americano, já tinham 4 discos lançados, em uma evolução constante que era possível perceber nessas gravações. A Capitol, porém, misturou todo o conteúdo desses álbuns e os trabalhou no mercado com capas diferentes.
Uma dessas, inclusive, mostrava a banda com jalecos sujos de sangue e com bonecos de bebês desmembrados em seus colos – uma evidente sabotagem. Os distribuidores, então, fizeram um escândalo e uma nova edição foi rodada, com imagem diferente na capa.
Não fosse a insistência de Brian Epstein e de Len Wood, talvez os Beatles tivessem sido um fenômeno regional, como foi, por exemplo, o cantor Cliff Richard (por sinal, uma das maiores influências de Roberto Carlos no início da Jovem Guarda; comparem o arranjo e o vocal de “Move it” com “É Proibido Fumar”). Isso prova que, muitas vezes, o sucesso só vem com uma receita de três ingredientes: insistência, insistência e insistência.