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As novas perspectivas da velha vida

Conforme vamos ficando mais velhos, nossas perspectivas vão mudando – mesmo que em relação a coisas que nos acompanharam por toda a nossa trajetória. No filme “Vanilla Sky”, o personagem de Kurt Russel, por exemplo, diz que o seu beatle favorito quando mais jovem era John Lennon; mas, naquele momento, quando estava um pouco mais maduro, Paul McCartney agora era seu predileto. Peço desculpas por falar novamente sobre os Beatles em um final de semana, mas suas canções sempre me ajudam a refletir sobre a vida – e ontem aconteceu algo que preciso dividir com vocês.

Sempre fiquei fascinado pela canção “She’s Leaving Home”, do álbum “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, lançado em 1967. Primeiro, porque tem uma sonoridade diferente de tudo que a banda gravou (recentemente, descobri que é um dos poucos arranjos que o produtor George Martin não fez; ele estava ocupado na época da gravação e Paul contratou o maestro Mike Leander para o trabalho). Em segundo lugar, parece ser um enredo tirado das páginas de jornais – e é.

Uma adolescente de classe alta deixa a casa dos pais sorrateiramente às cinco horas da manhã e foge para encontrar um homem mais velho. Deixa para trás uma vida de conforto e a família zelosa para embarcar em uma aventura amorosa. Como diz a canção, vai se divertir – e diversão é a única coisa que o dinheiro não pode comprar.

A trama é baseada em um episódio vivido pela jovem Melanie Coe, cuja fuga de casa foi noticiada pelos jornais britânicos. Paul leu a nota e teve a ideia de compor a canção. Curiosamente, anos antes, ele tinha conhecido a mesma moça em um programa de TV, no qual a escolheu para vencer um concurso de dança (mas não se lembrava disso). Sem querer, ele também acertou na letra alguns detalhes sobre a história. Melanie deixou mesmo um bilhete para os pais e foi se encontrar com um rapaz que havia trabalhado em uma concessionária de carros (esse era seu emprego anterior; o atual era o de crupiê).

Desde que ouvi essa música pela primeira vez, sentado no chão do jardim de inverno da casa da minha mãe, fiquei emocionado com a sutileza da narrativa e da beleza da melodia e dos arranjos vocais de Paul e John. Mas sempre me identifiquei com aquela moça que deixava tudo para trás para buscar a felicidade – ou se jogar nos braços da incerteza, desafiando o próprio destino.

Ontem, porém, pela primeira vez escutei essa canção e me coloquei no lugar dos pais que são deixados para trás (os contracantos de John Lennon representam o que pensava a família dela sobre a fuga – frases que ele ouvia de sua tia Mimi, com quem morou durante a infância e a adolescência). Fiquei imaginando como eu reagiria se minha filha de quinze anos fugisse de casa aos dezessete para viver uma aventura amorosa, saindo sorrateiramente e deixando um bilhete.

A conclusão: ficaria totalmente devastado do ponto de vista emocional. E preocupadíssimo com ela. E deprimido: pensando no que eu teria feito de errado para que ela me tratasse dessa maneira (exatamente como na letra da canção).

Cheguei à conclusão de que estou ficando velho e nada rebelde. E que não posso jamais fechar os meus canais de comunicação com minha filha, para evitar sentir o que sentiram os pais de Melanie Coe – a família retratada por Paul McCartney e John Lennon.

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