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Bitcoin e a desestatização do dinheiro

A moeda privada do jeito que Hayek gostaria

O economista F.A. Hayek tinha muito a dizer sobre dinheiro privado, inflação e, de fato, sobre a preservação das liberdades individuais contra um estado tirânico. Conforme nos aproximamos do 15º aniversário da publicação do white paper do Bitcoin de Satoshi Nakamoto e o lançamento da moeda logo em seguida, vale a pena refletir sobre o que Hayek poderia ter pensado a respeito desse avanço tecnológico.

Em novembro de 2008, Satoshi Nakamoto (cujo nome real não sabemos) anunciou a publicação de um artigo explicando como um “sistema de dinheiro eletrônico” peer-to-peer poderia funcionar sem a necessidade de confiança em terceiros. Em janeiro do ano seguinte, lançou o Bitcoin mencionando um artigo no jornal britânico The Times: “Chanceler na iminência do segundo resgate aos bancos”. O que estava implícito era que o lançamento desse sistema de dinheiro eletrônico peer-to-peer era uma resposta ao favoritismo que Satoshi via no banco central durante a crise financeira global.

Infelizmente, Hayek faleceu muito antes da concepção do Bitcoin. No entanto, em seu livro Desestatização do Dinheiro, ele defendeu nada menos que privar o Estado de seu poder de monopólio sobre o dinheiro. Além disso, Hayek imaginou um sistema econômico no qual “diversos tipos de moeda concorrentes são simultaneamente usadas no mesmo território”. Como tal, se o Bitcoin estivesse disponível durante a vida de Hayek, ele provavelmente não teria defendido (como muitos defensores do Bitcoin fazem) “bitcoinizar tudo”, precisamente porque a existência de uma única moeda em todos os lugares não era o que ele tinha em mente. Hayek queria concorrência de moedas. 

Discreto e imparável

Hayek certamente apreciaria a resistência inabalável do Bitcoin à pressão política. Mas, sobretudo, gosto de pensar que Hayek teria apreciado o Bitcoin por, pelo menos, dois outros motivos importantes: é tão discreto quanto praticamente impossível de ser parado. Em uma entrevista de 1984, Hayek afirmou:

“Não acredito que teremos uma moeda sólida antes de eliminarmos o monopólio do governo nessa questão. Se não conseguirmos aboli-lo, [então] tudo o que podemos fazer é, de forma discreta e indireta, introduzir algo que o governo não possa parar”.

A chave para uma “forma discreta e indireta” proposta por Satoshi (tomada emprestada de seus predecessores) era que o Bitcoin não passava de um protocolo – um TCP/IP de moeda –, que se tornaria rapidamente descentralizado, significando que nenhum grupo seria capaz de controlá-lo para seu benefício próprio. E por ser um ativo digital nativo da internet, não haveria ponto de ruptura no mundo real, com ativos tangíveis podendo ser confiscados para impedir seu funcionamento (como aconteceu com, pelo menos, duas moedas digitais garantidas por ativos e emitidas privadamente antes do Bitcoin).

Bitcoin e ouro

Satoshi buscou imitar o ouro, porém no mundo digital. No white paper sobre o Bitcoin, ele escreveu que: “A adição contínua de uma quantia constante de novas moedas é análoga a mineradores de ouro despendendo recursos para pôr ouro em circulação… [no] nosso caso, é o tempo de processamento e eletricidade que são gastos”. Então, o que Hayek pensava sobre o ouro?

Hayek escreveu que, se o ouro fosse permanecer nas mãos do governo, esse padrão metálico seria “o único sistema seguro tolerável”. Não obstante, achava que o ouro era uma “âncora instável” contra “riscos de fraude do governo” e “nunca seria tão bom quanto a moeda emitida por uma agência cujo negócio dependesse do êxito no fornecimento de uma moeda que o público preferisse em vez de outros tipos disponíveis”.

Hayek também afirmou que o ouro nos deu uma “regulação semiautomática da quantidade de dinheiro” (algo que ele via favoravelmente), mas ele também poderia achar interessante a ideia de política monetária algorítmica, fornecida pelo Bitcoin.

O que Hayek considerava ser uma moeda melhor que o ouro era sua própria proposta de uma moeda emitida por bancos em concorrência, lastreada por ativos reais. Contudo, o economista Lawrence H. White distingue corretamente a “proposta de Hayek – de permitir a livre escolha e a concorrência privada de moedas – de sua previsão sobre qual tipo de moeda prevaleceria”.

Hayek também acreditava que o público fosse preferir uma moeda “cujo poder de compra fosse estável”. Tal poder de compra estável, ele escreveu, reduziria o desgaste nas relações entre devedores e credores (tema que Hayek aborda em detalhes em seu livro).

Em seu novo livro, Better Money: Gold, Fiat, or Bitcoin?, White argumenta que um aumento no poder de compra do ouro instiga (por meio da busca do lucro) uma resposta de produzir mais ouro “até que o poder de compra retorne à tendência”. Em contrapartida, como um aumento similar no poder de compra do Bitcoin não pode provocar um aumento similar na oferta de Bitcoins além da programação codificada e fixada do protocolo, não há “expectativas de reversão para reduzir a volatilidade”.

Conclusão

Se o poder de compra do Bitcoin irá se estabilizar ao longo do tempo suficientemente para que se torne um meio de troca amplamente difundido é um tópico do debate. Do meu ponto de vista, o que o Bitcoin sacrifica em termos de estabilidade do poder de compra ao não responder aos aumentos de demanda é compensado enormemente pelo fato de ser um sistema monetário superior baseado em regras, que não está sujeito ao critério humano de planejadores centrais, nem a mineradores que possam querer criar mais unidades que o programa de oferta está programado para criar.

É precisamente por isso que as massas podem inevitavelmente adotá-lo (quando seus governos forem incapazes ou não tiverem interesse de impedi-las), não só como reserva de valor, mas como meio de troca. E, ao ter um ativo digital nativo da internet cuja oferta não se dobra a forças externas, temos uma moeda radicalmente descentralizada, algo inédito na história humana.

Adicionalmente, muitos usuários do Bitcoin não parecem se importar o suficiente com a volatilidade a ponto de abandoná-lo, e seu uso generalizado só aumenta: tanto na Blockchain, quanto na segunda camada. E, de fato, a presente repressão ao Bitcoin – especialmente nos Estados Unidos e na Europa – assim como a pressa em implementar as CBDCs pelo mundo, sugerem que os reguladores estão preocupados com o poder dessa opção.

Então, Hayek teria gostado do Bitcoin? Eu não conheci Hayek, mas acho que teria amado o que o Bitcoin representa, assim como a forma como tira a moeda das mãos do Estado (conforme pessoas ao redor do mundo fazem transações peer-to-peer, sem permissões, com o ativo digital apátrida).

Bitcoin é exatamente aquela ferramenta discreta, indireta e que possivelmente nunca será efetivamente combatida. Ah, lembram-se da menção de Satoshi do artigo do The Times sobre resgates de bancos? Por uma grande coincidência (presumindo que ele não soubesse à época), Satoshi ficaria encantado ao saber que na entrevista em que cita a “forma discreta e indireta” da moeda, Hayek segurava uma cópia do jornal The Times e declarou: “leio isto todos os dias”. Grandes mentes pensam de forma parecida.

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Por Emile Phaneuf III

Publicado originalmente em: https://curt.link/i98AeQn

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