No início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, muitos empresários me disseram que a vida do novo presidente não seria fácil diante de um Congresso com pegada mais conservadora. Lembro de ter dito a esses interlocutores: “Não subestimem a capacidade de Lula em encantar serpentes”. Hoje, passados mais de seis meses de nova administração, vê-se um quadro diferente daquele que era previsto por quase todos: é o Centrão que pressiona o presidente para aderir ao governo.
Até agora, o Planalto tem tocado o apoio dos parlamentares na base do varejo, liberando cargos e verbas de acordo com as votações. O que partidos como o PP (sigla do presidente da Câmara, Arthur Lira) desejam, no entanto, é um compromisso mais formal, com direito a cargos de primeiro escalão. Em jogo, já estão os ministérios do Desenvolvimento Social e do Esporte, além de cargos na Caixa Econômica Federal e Funasa.
Isso não quer dizer que PP e Republicanos, por exemplo, devam migrar com tudo para a situação. Mas, ao mesmo tempo, não podemos mais contabilizá-los como uma oposição raiz. O senador pepista Ciro Nogueira deu uma pista sobre o que deve ser a atuação de sua agremiação daqui para frente, em um artigo publicado ontem na Folha de S. Paulo: “Ninguém, pode dizer como o governo Lula irá terminar. Mas ninguém, do mesmo modo, poderá culpar a oposição por tê-lo sabotado ou inviabilizado. Todas as propostas do governo serão avaliadas com isenção. […] Ser oposição não é tirar uma licença para ser irresponsável”.
O senador, nesse texto, levanta uma questão importante: o norte ideológico que deve guiar os políticos; Ele diz: “Não somos conservadores contra ninguém, mas a favor das convicções que temos de que a experiência histórica mostra que o centralismo estatal, o excesso de burocracia, o desestímulo e sobrecarga à livre iniciativa já se comprovaram saídas que levaram à estagnação e à pobreza”.
Não é o que se vê, no entanto, na maioria dos parlamentares que compõem o Centrão – ou, no mínimo, o bloco que Arthur Lira diz ter sob seu controle, com 175 deputados. Neste universo, o fisiologismo é quem dá as cartas.
Mas este apetite por cargos e verbas no terceiro mandato de Lula é diferente de tudo o que já se viu em termos de negociação (pelo menos, em termos explícitos). O PP e Republicanos querem oficializar uma, digamos, união estável. Mas, ao mesmo tempo, dizem que esse casamento será aberto, sem necessidade de fidelidade absoluta.
Há dirigentes do PP e do Republicanos, por exemplo, dizendo que as nomeações feitas envolvendo políticos desses partidos serão debitadas na chamada cota pessoal do presidente – uma forma de não criar expectativas em relação a um apoio incondicional.
Lula, aparentemente, está confortável com essa situação, embora esteja negociando ainda alguns detalhes para fazer uma mudança mais forte em seu ministério (um atraso que tem irritado Arthur Lira). No fundo, o núcleo duro do Planalto enxerga esse acordo como uma espécie de noivado – uma etapa antes de se consumar um enlace de verdade (se é que isso vai acontecer).
Os dirigentes petistas que cercam o presidente não estão de todo satisfeitos com essa situação, mas abraçaram uma visão pragmática sobre o tema: entre esse meio-termo e nada, é melhor o meio-termo.
Mesmo com essa aproximação, Lira deixou claro que há territórios intocados dentro do plenário, como a independência do Banco Central, a reforma trabalhista e as privatizações feitas durante o governo Jair Bolsonaro.
Resta saber, agora, se o presidente, insuflado pelos mais radicais, não vai criar mais um impasse entre Executivo e Legislativo. A conferir.