Vamos dizer que apenas 10 % do depoimento dado pelo hacker Walter Delgatti à CPMI do Congresso seja de fato verdadeiro. Ainda assim, o conteúdo seria bombástico e explosivo. São acusações que extrapolam a deputada Carla Zambelli, que o contratou, e chegam ao ex-presidente Jair Bolsonaro e ao ex-ministro da Defesa, o general Paulo Sérgio Nogueira. Bolsonaro e Nogueira seriam culpados? As investigações vão dizer isso.
O mesmo se pode dizer da reportagem da revista Veja, que dá como favas contadas a confissão de Mauro Cid, o ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, que deve dizer às autoridades que o ex-presidente foi quem mandou ele negociar joias e relógios (recebidos no exercício da presidência e teoricamente pertencentes ao acervo público) nos Estados Unidos. A confissão de Cid foi confirmada à revista por seu advogado de defesa, Cezar Bittencourt, e deverá mostrar que o ex-presidente sabia que — em pelo menos alguns casos — estava agindo de forma irregular. Se um décimo do que ele contou ao defensor for verdade, a cobra vai fumar.
A linha de defesa de Bittencourt está clara. “A relação de subordinação na iniciativa privada é uma coisa. O funcionário pode cumprir ou não. No funcionalismo público, é diferente. Em se tratando de um militar, essa subordinação é muito maior”, disse ele. Segundo o advogado, Bolsonaro teria dito a Cid: “Resolve lá”, orientando o subordinado a negociar os objetos preciosos.
Voltando ao caso do hacker: Delgatti era encarado como uma espécie de bala de prata contra as urnas eletrônicas por alguns bolsonaristas. Ele teria dito aquilo que os interlocutores gostariam de ouvir (que as urnas seriam facilmente manipuláveis), mas não conseguiu entregar o prometido.
O depoimento abre a porta para duas suspeitas.
A primeira recai sobre Bolsonaro. Um de seus assessores teria encomendado a fraude de uma urna eletrônica para que a sua tese – a de que o pleito pode sofrer a interferência de terceiros – estava mais do que certa. Fraude essa que seria demonstrada com pompa e circunstância no dia 7 de setembro. “A ideia ali era que eu receberia um indulto do presidente. Ele havia concedido um indulto a um deputado federal. […] Eu visava a esse indulto. E foi oferecido no dia”, afirmou.
A segunda é referente ao general Nogueira. O hacker teria se reunido com o ministro em uma conversa claramente golpista, que remete a uma conspiração no qual um dos militares de mais alta patente no país estava envolvido.
Feliz ou infelizmente, porém, a Justiça precisa ser feita através de provas e não de evidências. Caso contrário, teremos a mesma lógica da tela lotada de flechas de powerpoint do ex-procurador Deltan Dallagnol, só que aplicada a Bolsonaro.
O que não faz sentido, porém, é a história de que Jair Bolsonaro teria grampeado o ministro Alexandre de Moraes – e queria que Delgatti assumisse a autoria de gravações que poderiam ser negativas para o magistrado.
“Segundo ele [N.R.: Bolsonaro], eles haviam conseguido um grampo, que era tão esperado à época, do ministro Alexandre de Moraes. Que teria conversas comprometedoras do ministro, e ele precisava que eu assumisse a autoria desse grampo”, disse o hacker.
Bem, se o teor dessas conversas era tão comprometedor, por que as gravações não apareceram até agora? Por que Delgatti teria de assumir essas gravações e não outra pessoa?
Como é uma história bombástica, a suposta participação de Bolsonaro e de Nogueira precisa ser muito bem investigada. Mas a atuação da deputada Zambelli parece estar bem clara, até porque ela destinou cerca de R$ 40.000,00 a Delgatti.
Esse caso, combinado com o das joias (e a participação do advogado Frederick Wassef para recuperar um Rolex que já tinha sido passado para frente), tem tudo para tornar a vida de Bolsonaro mais complicada – ou, na melhor das hipóteses, infernizar seus advogados de defesa.
Até agora, várias operações realizadas pela Polícia Federal vêm botando figurões importantes na cadeia por tempo indeterminado. O ministro Alexandre de Moraes, diante das revelações de quinta-feira, decretou a quebra do sigilo de Bolsonaro e de sua esposa, Michelle. Ele teria coragem de expedir um mandado contra o ex-presidente Jair Bolsonaro? Ainda não. Mas, dependendo do teor da confissão de Mauro Cid e do que for encontrado nas contas bancárias do ex-presidente, tudo será possível.