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Brigamos no presente por assuntos que serão esquecidos no futuro

Um artigo do escritor Mario Vargas Llosa me chamou a atenção. Ele versava sobre Jean-Paul Sartre, o guru do existencialismo e um dos filósofos mais importantes do Século 20. Lllosa, um dos poucos escritores liberais dos quais se tem notícia, falava sobre o passado comunista de Sartre e de seu arrependimento de ter se alinhado ideologicamente com Moscou.

Sartre e a esquerda francesa estiveram no epicentro do debate ideológico dos anos 1950 e 1960. Mas a sua conexão com a antiga União Soviética foi rompida com a repressão à Primavera de Praga, na Tchecoslováquia, em 1968 (movimento que buscava um regime mais democrático em contraposição ao comunismo burocrático da Cortina de Ferro).

O escritor peruano, detentor de um Prêmio Nobel de literatura, constata hoje que toda essa discussão ficou para trás. Ele encontrou recentemente um velho livreiro na Place Saint Sulpice, a três quarteirões do café Deux Magots, e conversou com ele sobre o falecido autor francês. Ouviu do interlocutor: “Quase ninguém lê Sartre”.

Lembro de uma palestra de Fernando Henrique Cardoso, que estava em Paris em 1968 e acompanhou de perto os protestos estudantis que varreram a cidade no mês de maio. Em uma determinada concentração de estudantes, havia um palanque improvisado no qual os líderes do movimento faziam discursos rápidos.

Daniel Cohn-Bendit (conhecido por Dany Le Rouge por conta do cabelo ruivo), que comandava os protestos, chamou Sartre para falar à plateia. O resultado foi uma vaia sem fim. FHC ficou chocado, pois Jean-Paul Sartre havia sido um dos maiores ídolos de sua geração – e estava sendo vaiado impiedosamente pelos mais jovens.

Um dos motes desse protesto estudantil foi a frase “é proibido proibir”.

E esse foi justamente o título de uma canção que concorreu ao Festival Internacional da Canção em setembro de 1968. Composta por Caetano Veloso após ver, na revista Manchete, pichações com essa frase nos muros parisienses, a música provocou um alvoroço danado.

Defendida pelo próprio Caetano, acompanhado de Gilberto Gil e dos Mutantes (Rita Lee e os irmãos Arnaldo e Sérgio Baptista), a canção provocou vaias incessantes e, no auge da confusão, uma parte do público ficou de costas para o palco. Caetano, então, explodiu:

– Mas é isso que é a juventude que diz querer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir, este ano, uma música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado! São a mesma juventude que vai sempre, sempre, matar o amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada.

Caetano, exasperado, continuou:

– Vocês estão por fora! Não dá para entender. Mas que juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém. Vocês são iguais sabem a quem? São Iguais sabem a quem? A aqueles que foram na “Roda Viva” e espancaram os atores! Vocês não diferem em nada deles! […] Se vocês forem em política como são em estética, estamos feitos!

Nos bastidores, Gilberto Gil conversou com jornalistas sobre o episódio. “Não temos culpa se eles não querem ser jovens. É isso mesmo, querem que a gente cante sambinhas. Mas não tenho raiva deles não, eles estão embotados pela burrice que uma coisa chamada Partido Comunista resolveu pôr na cabeça deles”, desabafou o músico.

Interessante, não? Os acontecimentos na Europa e no Brasil ocorreram no mesmo ano, separados por alguns meses. No continente europeu, os comunistas eram responsáveis pela repressão política e física. Aqui no Brasil, fizeram a cabeça dos mais jovens para reprimir um avanço estético – a música interpretada com uma guitarra elétrica.

Esses dois exemplos são disputas políticas e ideológicas que ficaram registradas na História – mas que não sobreviveram à mudança de gerações. Talvez a polarização diante da qual estamos vivendo também seja diluída com o avanço inexorável dos anos.

Nos desgastamos em discussões que, em determinadas situações descabam para a violência, defendendo lados que podem ser totalmente esquecidos no futuro. Será que faz sentido isso? Enfrentar tanta agressividade por algo que vai merecer uma nota de rodapé nos livros de História?

Numa das cenas finais do filme Blade Runner (imagem), o androide Roy Batty, vivivdo por Rutger Hauer, lembra alguns momentos extraordinários de sua vida e, antes de morrer, diz o seguinte: “Esses momentos ficarão perdidos na memória, como lágrimas na chuva”. Essa frase, que foi improvisada por Hauer nas gravações do filme, consegue descrever exatamente o que pode acontecer com toda essa belicosidade ideológica que nos acomete: trata-se de um assunto efêmero diante da cronologia humana. Vale a pena o desgaste pelo qual passamos diariamente ao discutir política com um opositor ideológico?

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Comentários

Uma resposta

  1. Muito bom e interessante….MAS, o efeito dos atos de quem esta no poder nos afeta HOJE…..e tera consequences que afetarao nossos filhos e netos.

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