Fazia muito tempo que ninguém lembrava que o rei estava nu. Discutiu-se muito sobre reforma tributária e arcabouço fiscal nos últimos meses, mas as principais autoridades do país não falavam nada sobre um dos principais problemas brasileiros: o tamanho paquidérmico do Estado, que consome R$ 3 trilhões anuais em despesas obrigatórias, além de R$ 2 trilhões em pagamentos dos juros da dívida pública e apenas R$ 200 bilhões em investimentos.
Na segunda-feira, porém, o presidente da Câmara Federal, Arthur Lira, colocou o dedo na ferida. “Vamos ter de discutir despesas”, disse ele a uma plateia de empresários na Fiesp. “Se não podemos aumentar impostos, temos de cortar despesas”. A lógica de Lira, simples e direta, é irrefutável. O instrumento para diminuir os gatos do governo seria a reforma administrativa, que poderia promover um freio no crescimento da estrutura pública e reduzir o inchaço atual.
No Ministério da Fazenda, porém, ninguém está muito preocupado em falar sobre reforma administrativa ou redução no quadro de funcionalismo público. O governo, na contramão da história, quer aumentar o tamanho do Estado e encontrar mais recursos para financiar essa expansão, em uma sanha arrecadatória que ultrapassa os limites do bom senso.
Um exemplo disso é o vídeo que foi postado neste início de semana no Instagram pelo secretário da Receita Federal, Robson Barreirinhas. Na gravação, Barreirinhas defendia a taxação dos investimentos de brasileiros em paraísos fiscais, os chamados fundos off-shore. “É muito importante que comecemos a tributar os investimentos em paraísos fiscais”, disse o chefe da Receita. Sua justificativa: esses recursos iriam compensar a queda da arrecadação com a correção do salário-mínimo e da tabela do imposto de renda.
Outra explicação: a medida somente afetaria 0,04 % dos investidores com aplicações no exterior. Vamos supor que a decisão atingisse apenas 0,000000000004 % dos investidores. Ainda assim, seria uma medida ruim, pois privilegiaria o aumento da arrecadação em troca de um aperto no cinto governista.
De qualquer forma, essa ideia será um retrocesso e colocará muito dinheiro novamente embaixo do manto da sonegação, em países que podem se recusar a enviar informações fiscais ao governo brasileiro.
O vídeo foi apagado algumas horas depois de postado (assessores do ministério da Fazenda distribuíram o link para os jornalistas que cobrem o cotidiano do Ministério), após protestos de deputados que viram no conteúdo mais uma forma de pressão para que um projeto de lei sobre o assunto fosse colocado em pauta na Câmara.
O deputado Arthur Lira já se manifestou contra a ideia e insiste que o melhor caminho será reduzir despesas estatais. Já o ministro Fernando Haddad está contando com essa receita para fechar as contas prometidas para 2024.
Não é a primeira vez que Lira e Haddad se encontram em lados opostos em uma polêmica. Lembremos que, na semana passada, o ministro reclamou do protagonismo da Câmara em uma entrevista. Como resposta, viu a aprovação do projeto do Arcabouço Fiscal ser adiada. Haddad tentou explicar que havia se referido a gestões passadas e tinha sido mal interpretado.
Vamos analisar o que disse o ministro.
“A Câmara está com um poder muito grande e não pode usar esse poder para humilhar o Senado e o Executivo. Mas estão com muito poder mesmo, não vi isso em nove anos que passei aqui entre governo Lula e Dilma. Nunca vi nada parecido. Penso que tem que haver uma moderação, que precisa ser construída”, afirmou. Ao ler essas linhas, que foram transcritas de uma gravação, alguém consegue acreditar que o ministro se referia ao passado?
Pois é. Lira e Haddad ainda têm muito o que discutir. Na questão do corte de despesas, o presidente da Câmara tem toda a razão. Mas dificilmente conseguirá alguma coisa neste sentido – pois a essência deste governo é colocar o Estado no centro de tudo, engordando cada vez mais um elefante de apetite pantagruélico.