Nelson Rodrigues gostava de dizer que sofríamos de um irremediável complexo de vira-lata, um sentimento de que somos inferiores ao resto do mundo e, portanto, estamos constantemente subestimando nossas condições e idolatrando o que ocorre no estrangeiro. Mas, mesmo em um país que prima por sua baixa autoestima, há milhares (senão milhões) de pessoas que cultivam um silencioso complexo de superioridade.
Os motivos para que alguém se sinta superior aos demais variam.
Uns se acham superiores porque têm mais cultura – ou se enxergam como mais inteligentes que a média. Em outra categoria, bem restrita, estão os que se consideram gênios. Há também aqueles que se veem melhores porque são belos ou possuem corpos bem definidos. Ou porque torcem para um determinado time de futebol. Ou porque possuem muito dinheiro (vamos deixar os racistas de lado nesta discussão porque ninguém tem o direito de usar o preconceito para se sentir melhor que os outros).
Enfim, há vários motivos para impulsionar o ego do ser humano. Esse complexo de superioridade, no entanto, tem alguns efeitos colaterais, entre os quais a arrogância e a prepotência. Esses seres pretensamente superiores tratam o restante das pessoas com um desprezo calculado e maldisfarçado. Afinal, de nada adianta se sentir superior se os outros não perceberem isso, certo?
Por isso, esses complexados possuem questões mal resolvidas de autoimagem. Conheci algumas pessoas que mostravam esses sintomas e viviam de nariz empinado desde a adolescência. Curiosamente, não se deram muito bem na vida profissional – especialmente por conta da falta de inteligência emocional.
O termo “complexo de superioridade” foi cunhado pela primeira vez no início do Século 20, pelo austríaco Alfred Adler, fundador da escola de psicologia do desenvolvimento individual. Adler acreditava que a principal causa para essa condição estava na necessidade que uma determinada pessoa teria de esconder que, no fundo, ela se sente inferior em relação aos demais.
Vamos supor que Adler tivesse razão. Mas, muitas vezes, as pessoas se sentem superiores apenas em determinados campos de existência – e se comportam normalmente em outros aspectos de sua vida. Alguém pode se considerar um intelectual espetacular e ser um fã bastante humilde de um determinado esporte. São raros aqueles que se sentem campeões em tudo. Mas eles existem. Estão na categoria “professores de Deus”.
No passado, eu me revoltava contra esses seres que se pensam superiores. E buscava cutucá-los. Ou melhor, alertá-los de que eles não eram melhores que os outros. Mas isso surtia pouquíssimo efeito, pois essas pessoas vivem em uma redoma de vidro grosso, impenetrável.
Ao refletir sobre esse tema, acabei me identificando com Alvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, em seu “Poema em linha reta”:
“Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
[…] Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…
[…] Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?”
Quando erramos, sofremos enxovalhos ou somos ridículos, nos tornamos mais humanos e nos capacitamos para entender melhor os momentos mais difíceis de nossos amigos. E temos condições de dar a mão e oferecer um abraço precioso nas horas amargas. Ao contrário dos semideuses de Fernando Pessoa, conseguimos nos tornar mais humanos a cada tropeço, a cada gota de vaidade que evapora de nosso corpo e a cada pancada que levamos.
Toda a vez que nos levantamos de um tombo, ganhamos uma altivez temperada com humildade. E é dessa contradição que vamos construindo e elevando nossos espíritos. Ao contrário de quem só leva a vida desprezando os demais.