Muitos economistas observam com atenção o programa Desenrola Brasil, que promete tirar os inadimplentes do cadastro negativo de crédito. A ideia, que originalmente foi do ex-candidato à presidência Ciro Gomes, é colocar de volta um grande contingente de consumidores ao mercado, dando condições de financiamento para suas compras.
Hoje, o Brasil tem cerca de 71 milhões de pessoas com o nome sujo no Serasa – quase a metade da população adulta do país. Deste total, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, espera tirar 33 milhões de CPFs do cadastro negativo. Ocorre que o nome sujo não é a única razão pela qual os brasileiros não estão consumindo.
Uma combinação de inflação alta e de altas taxas de juros levou muita gente a uma espécie de bancarrota pessoal, atrasando o pagamento de dívidas. Mas a renegociação de atrasados e a reinserção desse grupo de indivíduos na lista dos bons pagadores não significa necessariamente que haverá consumo por parte daqueles que repactuarem seus débitos.
A inflação pode ter caído, mas os juros continuam muito altos, inviabilizando o crediário de longo prazo. Um crediário de 24 meses, por exemplo, pode dobrar ou até triplicar o preço final de uma mercadoria. Antes, o consumidor não se preocupava muito com esse tipo de coisa e dava mais importância ao valor da prestação, para ver se ela caberia no orçamento mensal.
Foi a época do “quer pagar quanto?”, um mote que ficou famoso em uma campanha publicitária do varejo. Hoje, no entanto, muitos consumidores fazem as contas para descobrir qual é o preço final e percebem que não vale a pena pagarem tão caro ao final de dois anos.
Portanto, o programa do governo pode resultar em algum alento para quem está endividado, mas ainda não deve trazer resultados efetivos para a retomada do comércio. Para isso, o ponto central ainda é a queda dos juros – mas as taxas só ficarão abaixo dos dois dígitos a partir de 2024, dada a expectativa de o Banco Central baixar os juros no ritmo de 0,5 % ao mês.
Outro ponto ainda chama a atenção dos observadores do mercado financeiro: a inadimplência do setor de cartões de crédito ganhou muita tração nos últimos tempos. Em 2021, os atrasos nos pagamentos dos cartões representavam 26,6 %. Hoje, estamos falando de um índice que chega a 49 %. Na prática, isso significa que, de cada dois cartões na praça, um está inadimplente. Imagine agora que 40 % dos portadores de cartões têm mais de um plástico (a média nacional é de 1,76 cartão por consumidor) – ou seja, a situação pode ser até pior do que imaginam os estatísticos.
Se metade da população adulta não está pagando as suas dívidas (e um quarto dos brasileiros está com as contas de luz ou de água atrasadas), a retomada da economia será mais complicada do que projetam os técnicos do governo.
O Desenrola, neste sentido, pode até ajudar a animar um mercado altamente deprimido. Mas só existe uma forma efetiva de resolver essa encrenca – uma queda para valer dos juros, algo que ainda vai demorar para acontecer.
Não deixa de ser curioso o fato de que o consumo está baixo, a inadimplência está alta e, mesmo assim, os técnicos do BC temem por um repique inflacionário caso os juros sofram um corte mais radical.
Na gestão de Roberto Campos Neto, os movimentos de mudança nos juros ocorrem de forma gradual. Quando os juros caíram de 6,5 % para 2 %, isso ocorreu em nove meses; quando as taxas cresceram de 2 % para 13,75 %, o trajeto durou treze meses para ser cumprido.
A julgar pelo ritmo observado pelas últimas decisões do Comitê de Política Monetária, a queda será como a abertura política da época dos militares: lenta e gradual. Será que o varejo (e a economia de maneira geral) aguenta esperar por muito tempo?