Elogios e críticas de lado, ficou para 2024 o quanto e como o brasileiro pagará seus tributos. Para variar, há risco de judicialização
A reforma tributária ganhou interesse público desde o início do atual mandato presidencial, mas a intensidade foi reduzida com a aprovação do arcabouço. Seus detalhes ficaram para as leis complementares, que precisarão ser negociadas e aprovadas entre governo e Congresso. E é justamente aí que mora o perigo para o setor produtivo. Dependendo do que sair, as confusões e os impasses serão tão grandes quanto os acertos, abrindo espaço para discussões jurídicas e balões de ensaio interpretativos.
Tributaristas consultados por MONEY REPORT jogaram alguma luz sobre os riscos contidos nessas entrelinhas. Detalhes que se não forem tratados com racionalidade e bom intenção para com empresários e trabalhadores, poderão gerar dores de cabeça mesmo sem desfigurar o projeto.
Para Cassiano Menke, tributarista do Silveiro Advogados, não se trata só de discutir alíquotas. Na hora de ser estabelecido o Conselho Federativo, futuro órgão que decidirá sobre políticas fiscais e tributárias, há risco de cruzamento de competências com a Receita e até acesso indevido a dados tributários sigilos. “Pode sair um monstro dali”, comenta.
Para evitar barbeiragens e desacertos, a solução seria antecipar o máximo possível as discussões, negociando com de clareza e transparência com ao sociedade o que deverá constar nas novas regulações. “O embate de verdade vai ficar para 2024, principalmente na hora de negociar o IBS”, comenta Gustavo Fossati, professor de direito tributário da FGV Rio, ao citar o futuro Imposto sobre Bens e Serviços, que promete substituir para melhor IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS.
E como sempre há o que possa piorar, parlamentares da base do governo por completo desconhecimento cogitaram colocar parte do vindouro regramento tributário no texto da Constituição – o que foi rejeitado pelo gabinete de Fernando Haddad. Seria uma façanha por demais perigosa, engessando decisões e um apelo para o Supremo Tribunal Federal (STF) entrar em campo, mesmo não sendo essa a praia dos ministros.
Quem sai prejudicado é o empresário do setor de serviços, que verá suas alíquotas com possibilidade de triplicar, derrubando a empregabilidade, já que lidam com folhas pesadas em relação ao faturamento e são aqueles que mantêm a maioria das vagas formais (30,66 milhões em 2022, perfazendo 70% dos brasileiros de carteira assinada). É só imaginar. Onde quem dirige empresas de serviços de zeladoria, restaurantes, pequenas transportadoras, postos de gasolina ou lavanderias vão cortar? “A turma de serviços não tem créditos acumulados [de PIS e Cofins]”, lembra Fossati. No miolo disso tudo está a possibilidade bem real de judicialização, já que pode ocorrer precarização do emprego e, no cenário menos pior, pejotização em massa. Um convite para a Justiça do Trabalho ser acionada.
“Um reforma tributária determina como as pessoas vão trabalhar e consumir”, lembra o tributarista Eduardo Halperin. Como as contas do governo estão minguadas, a possibilidade de alíquotas mais baixas é reduzida. Para tudo funcionar sem maiores traumas iniciais, só com a economia bombando. O que no cenário econômico global é um apelo ao milagre.
O que pode dar errado
Problemas na economia
- Impactos enormes no setor de serviços, o principal empregador do país, que pode ter sua tributação elevado de 9% para até 25%;
- Grande possibilidade de demissões por causa dos custos da folha ou de “pejotização” de funcionários;
- Todo o arcabouço e a reforma foram criados de olho na recuperação da economia. Se não ocorrer, a mudança ficará manca e de difícil correção de curso.
Problemas na lei
- Conflitos de competência nas atribuições do futuro Conselho Federativo;
- Possibilidade de funcionário indicados do Executivo terem acesso aos dados tributários de qualquer cidadão a partir do Conselho Federativo;
- Se não for bem dimensionado, o órgão pode virar uma autarquia tão poderosa quanto a Receita.
Problemas com a Receita
- Como tomar crédito fora da cadeia?;
- Esforço para elisão fiscal;
- Risco da tomada de crédito ter que entrar na Constituição para funcionar, o que engessaria a reforma;
- Evasão com alta tributação na transmissão de herança e reorganização patrimonial.
Problemas na Justiça
- Possibilidade de paralização se alguém entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), jogando para o Supremo Tribunal Federal (STF) arbitrar as dúvidas;
- Risco de judicialização por parte de estados e municípios, o que criaria impostos encavalados e duplicados;
- Histórico de desconhecimento dos ministros do Supremo sobre questões tributárias;
- Risco de interferência da Justiça Trabalhista em defesa da Consolidação das Lei Trabalhistas (CLT).
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