Cientista que descobriu “sentimentos” em chimpanzés lembra que deixamos de usar direito nossos cérebros na hora de explorar recursos naturais
Uma jovem da nobreza britânica que se embrenhou no oeste da Tanzânia, no início dos anos 1960, para mudar a forma como os seres humanos entendem nossos primos evolutivos chimpanzés. Jane Goodall mostrou que em vez de feras capazes de imitar gestos e caminhar sobre as pernas traseiras, estes primatas são seres sociais com personalidades, capazes de criar fortes laços, praticar atos de bondade e, como nós, entrar em conflitos homicidas em busca de recursos – mas sem destruir tudo o que encontram pela frente.
Ativa aos 89 anos, a primatóloga mais ilustre está no Brasil para falar sobre como esperança e algum bom senso podem evitar que o mundo entre em uma crise ambiental cada vez mais profunda e como a preservação deve se tornar um valor universal. Ela também divulga o trabalho de sua fundação, que protege hábitats de primatas, além de formar jovens para o conservacionismo.
Tornada Dama do Império Britânico (DBE) em 2004, desde a semana passada ela visita instituições de ensino e autoridades, como a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. A missão de Dame Goodall por aqui é conversar com empresários, investidores, ativistas e jovens estudantes sobre a mais difícil das missões do ser humano: como salvar a humanidade sem ter que, necessariamente, abandonar as benesses do progresso. Ela lembra que basta começar com a vida local.
“Volte para a sua comunidade, ache alguns amigos e comecem a trabalhar juntos. Se você fizer a diferença em seu pequeno lugar, irá inspirar os demais”, afirmou em coletiva. Ela palestrou sobre para alunos da escola britânica St. Paul’s, no início da tarde desta segunda-feira (30), horas antes de ser ouvida no Instituto Unibes Cultural, ambos em São Paulo.
A partir daí as coisas podem crescer, ela acredita. De certa forma, foi o que fez no que depois seria o pequeno Parque Nacional de Gombe Stream, criado em 1968, menos de dois anos depois de publicar sua revolucionária tese de doutorado, “Comportamento de chimpanzés de vida livre”. Sem sua atuação, as populações de grandes primatas estariam em risco naquele pedaço da África.
Superpopulação
Prestes a completar 90 anos e consciente que lhe resta pouco tempo de vida, apesar da boa saúde, Goodall afirma que além de trazer alguma esperança às pessoas, também desejava testemunhar – e criticar – a destruição da Amazônia pela mineração ilegal de ouro e a expansão descontrolada das grandes fazendas. Para ela, se trata de um processo com efeitos parecidos com os que atingem florestas úmidas e savanas na África.
Sobre as conexões de seu trabalho com primatas e preservação, ela não deixa de lado o leve humor inglês ao afirmar que a humanidade precisa aprender com os grandes macacos, que sabem agir de modo sustentável. “Eles têm um filhote a cada cinco anos. Não há superpopulação. Eles se protegem e podem ser altruístas, mas podem matar, como nós. Só que desenvolvemos linguagem, somos capazes de salvar o planeta, mas não usamos nossos cérebros de modo muito inteligente”, disse.
Suas observações também recaem sobre todo o sofrimento causado pela pandemia de covid-19, que pode ser sucedida por outra até pior, já que o coronavírus surgiu a partir de uma doença animal (zoonose) que se disseminou entre os humanos por destruição da natureza. Ao final de sua palestra no Unibes, ela novamente foi extremamente direta: “Escolham impactos benéficos para o planeta”.
Obras
O livro da esperança: Um guia de sobrevivência para tempos difíceis