Todos sabem que, na última sexta-feira, a cidade de São Paulo foi atingida por uma tempestade durante o período da tarde. As consequências foram catastróficas. A velocidade dos ventos chegou a 103 quilômetros por hora em alguns bairros, causando a queda de 76 árvores na capital paulista e de um número incalculável de galhos. O resultado: sete pessoas morreram e 2,1 milhões ficaram sem energia elétrica.
O que poucos perceberam, porém, é que essa tragédia virou uma discussão ideológica nas redes, com críticas explícitas aos serviços prestados por uma empresa privada no fornecimento de luz. Ocorre que, neste caos provocado por uma catástrofe natural, nenhuma companhia – estatal ou privada – conseguiria reconstruir a rede de fios tão rapidamente. Os responsáveis pelo plano de contingência em São Paulo, diante da escassez de recursos, decidiram que a prioridade deveria ser dada aos hospitais e clínicas. Assim, atrasaram o serviço que seria destinado às residências.
As equipes de manutenção não são e nunca foram ajustadas para um reparo tão grande na rede. Por isso, uma decisão sobre prioridades tinha de ser tomada, privilegiando as unidades de saúde. Alguém pode ser contra essa decisão?
Obviamente, trata-se de um perrengue desagradável. Nossa vida gira em torno da energia elétrica. Sem ela, nada funciona em nossas casas, de serviços essenciais ao entretenimento. Além disso, toda a comida armazenada em freezers e geladeiras nas regiões atingidas foi perdida. Alunos que precisavam estudar e dependiam de computadores ou tablets tiveram dificuldades sérias. E quem necessitava de energia para cozinhar teve que se virar.
Muitos disseram que nunca houve esse tipo de demora na época do serviço estatal. Mas, em 15 de janeiro de 1995, ocorreu um fenômeno parecido. Vejamos o que foi escrito em reportagem da Folha de S. Paulo publicada no dia seguinte: “Segundo a Eletropaulo, a chuva causou 4.875 defeitos na rede elétrica. Cerca de 2 milhões de pessoas ficaram sem luz. Em algumas regiões a interrupção durou mais de 24 horas. O telefone 196, da Eletropaulo, recebeu 31 mil telefonemas”.
Não se pode dizer que a operadora atual preste um serviço impecável em situações normais – mas a Eletropaulo, sua antecessora, deixava a desejar quando era responsável pela distribuição de luz.
Há quem aponte o dedo para o enxugamento de funcionários da concessionária para explicar a demora atual em ajudar a população. De fato, em 2019, um funcionário em média da empresa atendia 307 clientes; hoje, esse mesmo empregado atende 511 contas. Esse indicador não necessariamente implica deterioração do atendimento, mas pode provocar atrasos significativos se houver uma grande demanda, como ocorreu no final de semana.
Alguns representantes da Direita também aproveitaram o caos para colocar pimenta no debate político. Neste caso, o ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten, apontado como um grande aliado do ex-ministro Ricardo Salles, disse: “Se com energia elétrica o transtorno é enorme, imaginem se a companhia de água cair nas mãos de grupos tão incompetentes quanto os de energia?”. O alvo da cutucada é o governador Tarcísio de Freitas, que deseja privatizar a Sabesp, e não goza da amizade de Salles. O prefeito Ricardo Nunes, também envolvido na discussão, aproveitou a onda e jogou a culpa no colo da fornecedora de energia.
Ontem à tarde, ainda havia 400.000 residências sem energia elétrica na capital – e a previsão era de que a situação seria normalizada apenas no dia de hoje.
Pode-se dizer qualquer coisa sobre os serviços privatizados, mas de maneira geral, as concessionárias acabam acertando suas falhas com o tempo e entregando serviços melhores que os oferecidos pelas estatais. Exemplos clássicos: as rodovias que hoje são geridas pelo capital privado e o sistema de telefonia, que nos tirou da idade das trevas em termos de comunicação e colocou o país efetivamente no Século 21.
Com o aquecimento global, situações como as de sexta-feira serão mais corriqueiras. Por isso, as empresas que hoje estão fornecendo serviços de energia elétrica precisam se precaver melhor, criando planos eficazes de contingência, para que milhares de famílias não fiquem 24, 48 ou 72 horas sem luz. Como se diz por aí, errar é humano – mas persistir no erro é burrice.
Uma resposta
Nobre Aluísio , toda pertinência ao seu texto, porém, como uma das “vítimas” da ENEL, posso lhe garantir que as equipes da empresa, nas ruas, foram burocráticas e protocolares . Eu imagino que em casos excepcionais como esse, houvesse liberação de horas extras , reforço de equipes e contratação de técnicos terceirizados, o que não me parece ter ocorrido. Houve o desastre , mas expôs-se uma inoperância da concessionária, que agiu como em dias normais , burocrática e protocolar . A exceção ficou só a cargo da tempestade … e da impotência dos consumidores!