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Dois motivos para celebrar a vida

Nesta semana, li o livro “Onde estão as flores?”, de Ilko Minev, e vi um especial de TV que reuniu o cast da série “Friends” em 2021 (pois é, ainda não me recuperei da morte do ator Mathew Perry). A combinação desses dois fatores me deixou pensativo por alguns dias.

Mas o que esses dois episódios têm em comum?

O livro é a história de um imigrante búlgaro que resolve contar a sua saga, pois deseja repartir com os mais jovens os momentos importantes de sua vida (está entre os mais vendidos no ranking da revista Veja). Os momentos que o personagem viveu, diz ele, podem servir de lição para a nova geração e um legado para seus descendentes. Já o programa de TV mostra uma das produtoras da série, Martha Kauffman, afirmando que o ponto de partida de “Friends” foi a constatação de que há uma fase da vida em que surgem tantas mudanças e descobertas que seus amigos acabam se tornando uma espécie de família – pois só eles (e não seus parentes) são capazes de entender as transformações que sacudem o cotidiano de seus colegas.

A combinação dessas duas narrativas disparou algumas reflexões.

Estou relativamente longe da juventude. Mas percebi, ao refletir sobre o narrador do livro de Minev e as dez temporadas de “Friends”, que não percebemos, enquanto estamos saboreando a mocidade, que nossa vida é uma sequência de descobertas. Passamos por uma torrente de novas situações que proporcionam vários aprendizados – e vamos passando de um episódio novo para outro sem degustar nossa evolução.

Até o início dos trinta anos de idade, vamos encadeando uma fase de transformações na outra, sem pensar muito no futuro, encantados com a sequência de mutações e transições pelas passamos.

Da adolescência até a faculdade, sofremos transformações radicais, físicas e mentais. Mas ainda somos, de alguma forma, tutelados por nossos pais. Essa tutela faz com que nossa evolução pareça estar travada. Ou, como se diz na música-tema de “Friends”, “It’s like you’re always stuck in second gear” (“parece que você está sempre emperrado em segunda marcha”).

Mas finalmente nos formamos e começamos a trabalhar. Conquistamos nossa independência financeira e, em muitos casos, saímos da casa dos pais. É nesse momento que o verdadeiro aprendizado ocorre. No caso do livro de Minev, o personagem aprendeu a ser dono do próprio nariz em plena Segunda Guerra Mundial. Já a garotada de “Friends” fez isso na Nova York dos anos 1990. Mas o efeito é semelhante: amadurecer é um processo que é fascinante, mas também pode ser doloroso.

A vida segue e nos apresenta uma evolução natural. O estagiário vira funcionário e, depois ganha um cargo de chefia e passa a ganhar melhor. Com o dinheiro, um mundo novo se descortina – e novas descobertas são feitas, desde intelectuais até sensoriais.

Continuamos a amadurecer. Conhecemos alguém, montamos um lar e a família cresce. A chegada de um bebê traz novas rodadas de descobertas e muitas incertezas. Mas nossa vida continua sacudida por um torvelhinho de mudanças.

Até que surge a maturidade e a quantidade de transformações vai diminuindo. Seus amigos deixam de ser o centro de seu universo, dando espaço para a sua própria família. Quando você vira uma das cabeças de seu núcleo familiar, é inevitável que exista uma aproximação com pais, mães, avôs e avós. Aquela família que deixamos em um segundo plano volta a ser o nosso principal pilar – com exceção de quem, infelizmente, não conta mais com a presença de seus entes queridos. Além disso, surge um outro fator: a estabilidade, que em alguns casos pode nos deixar sentindo um vazio inexplicável. Afinal, até pouco tempo atrás, vivíamos emendando uma descoberta na outra. Mas, agora, os dias parecem se repetir.

Fiquei lembrando que, pouco mais de vinte anos atrás, joguei tudo para o alto e investi em um novo começo. Minha vida mudou totalmente, do ponto de vista pessoal ao profissional. Resolvi, naquele momento, que não iria me conformar em viver uma vida sem descobertas e sem mudanças. Eu sabia que as coisas não seriam mais como na juventude. Mas iria procurar desafios constantes e não iria me conformar com um destino chato.

O livro de Ilko Minev, embora não tenha exatamente o estilo literário que eu goste, conseguiu me fazer pensar sobre minha vida e se eu tinha conseguido chegar aos objetivos que tracei muitos anos atrás. Felizmente, consegui (pelo menos em sua grande parte). Mas percebi, também, que ainda há tempo para trabalhar aquilo que ainda não foi conquistado.

A vida passa rápido, até quando estamos insatisfeitos. E passa voando quando estamos aproveitando cada minuto dela. Mas é uma rapidez espetacular, que nos deixa exultantes. Eu desejo que meus filhos encarem a vida como eu: em constante desafio e questionamento. Quero ir assim até o final.

Obrigado, Martha Kauffman e Ilko Minev. Um brinde à obra de vocês!

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