O disco “Elis & Tom” chegou em minha casa logo que foi lançado, em 1974. Meus pais ouviam bastante no Três em Um Panasonic que ficava na sala. Depois, em 1979, foi minha vez de descobrir as faixas deste álbum e entrar naquele universo musical criado pelo maestro Antonio Carlos Jobim e pela diva Elis Regina. Tive o CD e uma edição especial em DVD, gravada em Dolby 5.1, com diálogos capturados em estúdio. Quando eu ouvia as faixas bem em frente ao Home Theater tinha a impressão que estava sentado no MGM Studio, ao lado dos músicos.
Ontem vi o longa “Elis & Tom – Só tinha de ser com você”, dirigido por Roberto de Oliveira, que usa muitas imagens rodadas durante as gravações de 1974. Logo de cara, descobrimos que o clima no estúdio não era dos melhores. Era para ser um disco de Elis, tendo Tom Jobim como convidado. Mas, convenhamos, isso é quase impossível quando o maior maestro da música brasileira faz uma participação especial.
Tom mostrou seu desconforto quando soube que o arranjador e pianista seria César Camargo Mariano – e não ele. Isso criou um clima ruim, com cutucadas disparadas pelo veterano compositor. Todas as tretas são reveladas por Mariano, que mostra ainda um certo rancor pelo que aconteceu.
Neste momento, a narrativa fica desbalanceada, pois apenas o baterista Paulo Braga defende o ponto de vista de Tom. E aponta o óbvio: Tom era o maior pianista e arranjador brasileiro daquele momento, autor ou coautor de todas as canções que seriam gravadas. Era óbvio que ele se sentisse incomodado e testasse os limites de Mariano, pressionando o colega para saber tintim por tintim os detalhes dos arranjos. Apesar do enorme talento de Mariano, há um detalhe que não é bem explicado no filme: ele havia sido escalado para essa tarefa basicamente porque era o arranjador de Elis e seu marido na época.
Depois da tensão inicial, Tom passou a confiar no trabalho de Mariano e se entrosar melhor com Elis. Tudo passou a fluir e as gravações engrenaram.
Há dois personagens importantes nesta produção. Um é entrevistado e surge várias vezes: trata-se do produtor musical André Midani, que tocou a Phonogram no Brasil (sob o selo Philips, tinha os grandes nomes da MPB sob contrato, como a própria Elis, Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil). Sempre ouvi falar de Midani em minha casa, pois meu pai sempre o citava em diversas conversas com os amigos. Alguns anos atrás, trocamos e-mails e combinamos uma entrevista. Logo depois, ele desmarcou o compromisso, pois havia se esquecido de uma viagem. Ficamos de remarcar, mas acabei esquecendo de fazer o follow-up. Resultado: Midani morreria logo depois, em 2019, e eu perdi uma dos personagens que desejava entrevistar (essa lista, com alguns membros da constelação da MPB, também tinha o pianista Sérgio Mendes; mas, esta ao menos eu consegui fazer).
Outro personagem é mencionado algumas vezes pelos músicos entrevistados, mas relegado a um segundo plano no roteiro. Trata-se do produtor Aloysio de Oliveira, coautor de uma das faixas do disco (“Só tinha de ser com você”, que curiosamente é o subtítulo do filme). Ele havia sido dono de uma das gravadoras lendárias da música brasileira, a Elenco, e foi um dos integrantes do Bando da Lua, que acompanhava Carmen Miranda nos filmes de Hollywood (mais que músico de Carmen, era também seu namorado). Fica aqui o meu protesto: ele merecia mais espaço neste filme.
“Elis & Tom” entrou nesta semana entre os filmes da Apple TV, depois de permanecer no circuito de cinema por algumas semanas e colecionar críticas positivas em todos os grandes jornais. Há uma cena impagável, na qual Tom Jobim conta uma piada que tem Ary Barroso como principal personagem. Ficou curioso? Entre no iTunes ou na Apple TV e baixe a película. Vai valer muito a pena.