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Uma tradição de defaults argentinos

Poderá Javier Milei quebrar a espiral ruinosa da dívida e da inflação?

Embora as guerras tenham sido a principal causa dos defaults europeus, a prodigalidade governamental e os planos de crescimento e desenvolvimento expansivos e ilusórios patrocinados pelo Estado, por meio da dívida, estão na base da tradição de defaults da América Latina. O presidente eleito argentino Javier Milei quer quebrar a espiral de dívida e inflação que colocou o país de joelhos. Como presidente, Milei enfrenta uma tradição de mais de duzentos anos. Se tiver sucesso, o efeito irá além da Argentina.

Uma alternativa anarcocapitalista

​Javier Milei pegou muitos observadores políticos de surpresa ao vencer as eleições presidenciais primárias em 13 de agosto de 2023. Este tipo de eleição é obrigatório na Argentina, embora não tenha consequências diretas. O primeiro turno veio com a eleição de 22 de outubro, quando Javier Milei marcou pouco mais de seis pontos percentuais atrás de seu concorrente Sergio Massa.

Parecia que a Argentina ainda não havia caído suficientemente fundo para dar uma oportunidade a uma alternativa radical. A tradição da dívida e da inflação parecia ainda demasiado enraizada. Será que a dependência do Estado continuaria até que o último peso fosse gasto? Será que o papel de Milei estaria limitado ao de profeta? De fato, ele acordou muitos argentinos e sua mensagem não se perderia.

Porém, no dia 19 de novembro, os eleitores tiveram a palavra final e escolheram Javier Milei, com 11 pontos percentuais de diferença para seu concorrente. Milei venceu as eleições e tornou-se presidente da Argentina.

Agora, ele terá que enfrentar duas tarefas tremendas: não só deve colocar a economia argentina de volta em pé, mas também deve se proteger contra o risco perene de que, tão logo as coisas melhorem, a prodigalidade tradicional volte. É o padrão típico da Argentina que também pode ser observado em outros países latino-americanos.

Mesmo antes da candidatura de Javier Milei, houve inúmeras tentativas de parar o jogo desastroso da dívida e da inflação. Contudo, a tradição de políticas de dinheiro fácil e de expansão do crédito trouxeram uma cultura monetária que se tornou profundamente enraizada.

Histórico de inadimplência em empréstimos

A primeira onda de incapacidade de pagamento internacional na América Latina ocorreu na década de 1820. Depois que os países latino-americanos recuperaram o acesso aos mercados externos, não demorou muito até que a segunda onda de renúncias à dívida ocorresse na década de 1880.

Declarações de incapacidade de pagamento ocorreram antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial, e novos defaults ocorreram na década de 1930. Na década de 1980, quase todos os países latino-americanos entraram em default e, em 2002, ocorreu o mega default da Argentina, tornando os estados latino-americanos os “inadimplentes perenes” dos últimos 200 anos.

Tal como promovido pelos governos, o conceito de “crédito” ganhou uma conotação peculiar na cultura financeira da América Latina. O significado do crédito tornou-se equivalente a um presente. O cálculo dos encargos futuros em termos de juros e pagamentos é facilmente descartado pela elevada preferência temporal que permeia quase todos os aspectos da vida. O acesso ao crédito abre caminho para gastos instantâneos; assim, a dívida é acumulada, mesmo que – segundo uma avaliação prudente – não seja tão urgentemente necessária. A atitude comum diz que o dinheiro presente é real, enquanto o serviço de crédito é algo do futuro e é, portanto, irreal. Consequentemente, quando houver possibilidade de obtenção de um empréstimo, seja ele nacional ou estrangeiro, ele será tomado.

A opinião pública em muitos países latino-americanos raramente expressa preocupações sobre a dívida pública. Recebem mais atenção os economistas que dizem que os modelos econométricos demonstram que os períodos de acúmulo de dívida externa e de expansão do crédito interno andam de mãos dadas com a prosperidade econômica, tal como a inflação anda com o crescimento econômico. A promessa de uma carona é facilmente assumida pelos políticos. Quem quer ser culpado de produzir estagnação?

A Argentina já foi um dos países mais ricos do mundo. Mas o país caiu no vórtice do populismo extremo. Após a Segunda Guerra Mundial, Juan Domingo Perón (1895-1974) começou a arruinar o país com as suas políticas de redistribuição e intervencionismo. Enquanto Perón conseguiu distribuir a riqueza anteriormente acumulada, os seus seguidores agora distribuem a miséria e chamam-lhe justiça social.

A culpa é “deles”, não nossa

A mídia geralmente se une para condenar os países ricos quando a onda de empréstimos acaba. Os ianques e os especuladores gananciosos são identificados como os culpados. Eles são acusados de más intenções quando interrompem o fluxo de crédito e não entregam mais dinheiro novo. A opinião pública repreende o governo não por causa da prodigalidade, mas porque não conseguiu obter mais empréstimos.

O acesso a novas divisas constitui a base da relação de amor e ódio entre os países devedores da América Latina e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Quando ocorrem negociações da dívida, o FMI torna-se a fonte de financiamento de emergência e o catalisador para os credores privados; neste sentido, a aprovação do Fundo é muito bem-vinda. Qualquer que seja a fundamentação mais profunda das recomendações políticas, nas intenções dos governos, o acesso a novo crédito é o seu objetivo primordial na maioria das vezes.

Acadêmicos se unem para elogiar os benefícios da dívida. Seguindo a teoria de que os países da América Latina são “estruturalmente dependentes” do capital estrangeiro, a política econômica recebe o seu foco principal do objetivo de manipular as variáveis financeiras e macroeconômicas que são percebidas como o pré-requisito para o acesso às divisas. Uma série interminável de medidas intervencionistas, juntamente com esforços constantes para obter linhas de crédito de contingência, produzem a razão pela qual a dependência persiste e o peso da dívida aumenta.

Hora de mudar

Aqueles que preferem a restrição financeira aprenderam repetidas vezes uma dura lição. Os gastos do governo são populares, mas a restrição fiscal não. Quando a crise da dívida finalmente chega, e sempre acontece, e quando o governo é incapaz de pagar a sua dívida, a culpa recai mais sobre aqueles que emprestaram dinheiro do que sobre aqueles que pediram empréstimo.

No entanto, há sinais em toda a América Latina de que esta mentalidade de descuido financeiro está prestes a mudar. A eleição de Javier Milei para a presidência serve de sinal e pode dar um exemplo a ser imitado em todo o subcontinente.

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Por Antony Mueller

Publicado originalmente em: https://mises.org.br/artigos/3235/uma-tradicao-de-defaults

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