Se fosse um jogo de futebol, o locutor do estádio diria: “Sai Emilio Ocampo, entra Luís Caputo”. Mas o cenário é bem diferente – trata-se da escalação do ministério que vai gerir a economia sob a gestão do presidente eleito Javier Milei. Ocampo já tinha sido apontado como o novo presidente do Banco Central e provável ministro das Finanças do país (foi ele o autor da proposta de dolarização radical da economia, retirando o peso de circulação). Ocorre que, nos últimos dias, todos os jornais argentinos passaram a publicar que o homem que tomaria as decisões econômicas seria Caputo, um nome ligado a Mauricio Macri e, como o ex-presidente, contrário à ideia de trocar o peso pelo dólar.
Além de ser um nome importante e ligado a um ex-mandatário, o provável ministro tem cacife próprio: na reta final da campanha, a aliança liderada por Milei não tinha mais recursos para financiar uma equipe forte para fiscalizar a contagem de votos, especialmente em Buenos Aires, o maior distrito eleitoral da nação. Caputo entrou em campo e arrecadou cerca de US$ 4 milhões para financiar o processo.
A pergunta, assim, é óbvia: se Caputo vai comandar a economia, como fica a dolarização? Talvez a troca de moedas no país vizinho não seja adotada imediatamente – e sim deixada para daqui a dois anos. Milei já chegou a dizer que demoraria exatamente esse prazo para acabar com a inflação. Talvez isso seja uma pista de que a proposta não será adotada imediatamente. No final de semana, inclusive, circularam rumores vindos da equipe de transição que classificaram a adoção de dólares em operações financeiras na Patagônia como um objetivo de médio prazo.
Mas Milei pode ter percebido que o poder efetivo é exercido somente através de apoios políticos. Como Macri, que controla o maior partido de direita e é uma figura importante na aprovação de qualquer medida do governo, é contrário à dolarização, provavelmente o presidente eleito tenha resolvido recuar de seus metas de campanha por um tempo.
O que se observa nos bastidores da equipe de transição é que a teatralidade utilizada por Milei na campanha está dando lugar ao pragmatismo. Isso vai durar ou o novo mandatário vai tentar impor a sua vontade a um Câmara no qual ele tem controle apenas de 37 votos? Para conseguir a maioria necessária para aprovar qualquer proposta, o novo governo precisará de 129 sufrágios – e, para isso, necessita do apoio de Mauricio Macri (peronistas e deputados da extrema-esquerda estão obviamente descartados na construção dessa base política).
No entanto, há impedimentos para a dolarização que extrapolam a questão política. Muitos apontam o baixo nível de reservas cambiais como um fator proibitivo para se efetuar rapidamente adesão à moeda americana. As reservas argentinas giram hoje em torno de US$ 7 bilhões. Mas se considerarmos o pagamento dos juros da dívida externa, a Argentina está na prática com o saldo negativo, algo entre US$ 12 e 17 bilhões no vermelho. Muitos economistas dizem que, para efetuar a troca monetária, seriam necessários US$ 35 bilhões (outros analistas, no entanto, afirmam que a economia local já está fortemente dolarizada e que esse valor está superestimado).
Por que é importante discutir os caminhos da economia argentina, se os efeitos da economia vizinha são limitados em nosso país?
O que acontecerá na Argentina pode ter impacto sobre o cenário polarizado que vivemos no Brasil. A eleição de Milei mostrou que a direita pode ressurgir diante dos erros cometidos pela esquerda – e, em termos de inflação, a atual administração de Alberto Fernandéz errou feio, catapultando o índice acumulado de preços para um patamar superior a 140 % em doze meses.
Mas o contrário também pode ocorrer, como se pode ver no exemplo brasileiro. Se a condução de Milei tirar a Argentina do buraco, as ideias liberais voltarão à baila e serão discutidas no Brasil como uma alternativa palpável. Mas, se ao contrário, Milei fracassar, teremos um retrocesso da Direita que será difícil, muito difícil de consertar.
Agora, só nos resta esperar.