Ontem, fiz um de meus programas favoritos: passei cerca de trinta minutos dentro de uma livraria. Toda vez que entro em uma loja de livros, parece que o tempo desacelera. Tenho uma atração fulminante por aquelas capas que prometem alguns dias de entretenimento e imaginação – ou que oferecem desvendar mistérios, na ficção e na vida real. Confesso que sinto também certa frustração. Por mais que me esforçasse, não conseguiria ler nem metade do que está exposto. Faço uma conta por baixo e estimo que há uns dez mil livros nas ilhas e nas estantes daquele lugar no qual me encontro.
São biografias, publicações sobre negócios, autoajuda, ciências, policiais, histórias chorosas, comédias – assunto é o que não falta. As prateleiras são democráticas: mortos convivem com vivos, gênios estão ao lado de medíocres e histórias despretensiosas são vizinhas de enredos eletrizantes.
Sinto uma paz enorme ao estudar por segundos as capas dos livros. Deve ser efeito do forte cheiro de papel misturado ao da tinta. Para mim, é uma espécie de perfume que me acalma. Completamente diferente do odor que se sente ao entrar em um sebo, com livros de páginas amareladas e, às vezes, emboloradas. Mas mesmo este cheiro de papel velho também me atinge como um Rivotril virtual e me leva para outra dimensão.
Já frequentei várias livrarias em minha vida, mas nenhuma se compara a uma que costumava ir de quinze em quinze dias, quando estava nos primeiros anos da faculdade. Era a Livraria Horizonte, que se estabelecera no imóvel que abrigava um açougue e tinha de tudo. Ficava horas escrutinando suas estantes e, às vezes, pegava um livro e me aboletava na ilha central, que tinha algumas poltronas. Essa loja ficava no número 806 da rua Jesuino Arruda, no Itaim Bibi. Comprei vários exemplares da coleção “Debates”, itens obrigatórios para um universitário que tivesse pretensões intelectuais na década de 1980. Também me iniciei na literatura beatnik por lá. E descobri novos autores nacionais, como Caio Fernando Abreu e Ana Cristina César, naquele lugar.
O mesmo sentimento que me unia à Livraria Horizonte surgiu em mim, anos depois, quando conheci uma pequena loja no Rio de Janeiro, chamada Bookmakers. O nome era genial: um trocadilho que misturava editores de publicações impressas e corretores de apostas do turfe (para temperar essa brincadeira de palavras, o endereço da livraria ficava a cem metros do Jóquei Clube carioca). Neste lugar, o tempo também parecia passar mais devagar, com a vantagem de abrigar um café, que permitia uma visita rápida acabar durando algumas horas.
Também tive uma relação afetiva com outra livraria carioca – a Argumento, da rua Dias Ferreira, no Leblon. Sempre admirei a capacidade dos responsáveis por esse ponto em escolher os livros que vendiam. Lá encontrei verdadeiras pérolas que estão em minhas estantes. Outro local em que poderia ficar horas a fio sem sentir o tempo passar.
Livrarias têm o poder de nos revelar novos mundos, mostrar diferentes planos de existência e descortinar pensamentos que vagavam anônimos em nossas mentes. Trata-se de uma experiência única, que o e-commerce não nos proporciona, e que infelizmente está em seus estertores finais.
No meu passeio de ontem, acabei comprando dois best-sellers da lista do New York Times e dois livros de Patrícia Galvão, a Pagu, que não tinha em casa – e confesso não ter lido. Percebi nessa meia hora que as livrarias atuais são bem diferentes daquelas de tempos atrás. Há uma quantidade exagerada de livros decorativos, daqueles que colocamos nas mesas de centro das salas de estar, publicações sobre gastronomia e tudo quanto é tipo de autoajuda. Nada que ajude o intelecto de seus clientes – mas podem esticar a vida útil desses lugares em que a literatura é celebrada.
Respostas de 4
Considero uma alternativa Cultural inestimável essas Livrarias no caso pouco valorizadas pelo Poder Público no geral. Talvez pelo pacto político de rebaixar a qualquer instrução do povo no amplo aspecto de acesso popular a baixo custo social. A leitura informa, esclarece, cria condições de críticas um perigo a classe demagógica pela reflexão da situação real de fato. Reduzir as possibilidades de se alcançar o entidimento do pensamento será uma ameaça a quem possuí o poder, porque fica na evidência das atitudes populistas de sempre como o famigerado PAC Programa de Aceleração do Crescimento um absurdo voo da galinha depenada de um PIB abaixo da cauda de um pangaré já visto.
É, o poder público só Socorro bancos de seu interesse vil , não interessa socorrer livrarias que transformam a cultura do povo ; deveria haver uma livraria em cada bairro .
Eu tenho o mesmo sentimento, quando entro em uma livraria. Estudei na PUC e dentro da faculdade tinha uma pequena livraria num dos corredores. Quem vendia os livros era um riograndense do norte chamado Cortês. Depois de um tempo, essa pequena livraria foi fechada e o Cortês abriu uma no porão de uma casa em frente a PUC. Ela ficava lotada de professores e alunos, fazíamos encomenda de livros. Com o tempo, ele abriu a Editora Cortês, que se especializou na área da educação. O Cortês se foi, recentemente, mas a editora continua com sua família. Uma pequena livraria e a vontade de um homem se transformaram numa fonte de sabedoria e ensinamentos.
Que linda história… não sabia essa origem da Ed. Cortêz. Há uns 25 anos, quando fiz Jornalismo na UFPB, eles tinham um quiosque que era o ponto de encontro da turma. Hoje, aposentado, voltei a estudar em outra universidade, mas não tem sequer um sebo de usados. Lamentável ! Vivemos a geração PDF, tablet, Ctrl+C Ctrl+V…