O presidente Luiz Inácio Lula da Silva bem que tentou, mas não conseguiu emplacar o ex-ministro Guido Mantega na Companhia Vale do Rio do Doce. Mantega é visto por Lula como um injustiçado – e, por isso, o presidente queria premiá-lo com um cargo importante (fora da esfera pública, pois o Tribunal de Contas da União o inabilitou para ocupar posições ligadas ao Estado até 2030). Não conseguiu colocá-lo no corpo diretivo da mineradora, mas isso não quer dizer que Mantega ficará ao sol. O presidente, em breve, vai se movimentar novamente para fazê-lo ocupar uma cadeira de peso.
Pode-se dizer várias coisas de Lula, menos que ele não é solidário com os amigos que estão no ostracismo. Primeiro, foi Dilma Rousseff, que hoje ocupa a presidência do Banco dos Brics. Depois, a malfadada tentativa de nomear Mantega na Vale. Nesse processo contínuo de reabilitação de petistas, quem virá depois?
O nome óbvio dessa lista é o do ex-ministro José Dirceu, considerado um dos maiores ideólogos da esquerda e do Partido dos Trabalhadores em especial.
Dirceu teve dupla condenação, pelo episódio do Mensalão e, depois, pela Operação Lava-Jato. Ele cumpriu pela por conta do Mensalão e aguarda em liberdade que todos os recursos contra a condenação imposta pelo ex-juiz Sergio Moro sejam julgados. Como Moro e a Lava-Jato caíram em desgraça, as chances de que Dirceu se mantenha em liberdade são de 100%.
Sobre o ex-ministro da Casa Civil, Lula tem um argumento para contestar a cassação de seu mandato como deputado federal. O motivo? Falta de decoro parlamentar, por ter pertencido a um esquema de corrupção. Mas o então deputado Roberto Jefferson, que denunciou o Mensalão (e o batizou) foi também cassado na mesma ocasião. A razão? A mesma falta de decoro. Mas, nesse caso, o ponto de partida para o fim do mandato foi o de acusar, sem provas, um grupo de parlamentares de corrupção.
Ou seja, Dirceu foi cassado por fazer parte de um esquema de corrupção que, segundo o processo de Jefferson, não foi comprovado (apesar de haver inúmeros réus confessos, como o hoje presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, que admitiu ter recebido R$ 6,5 milhões em malas de dinheiro, fruto de um acordo, segundo ele, firmado com Dirceu).
Mas o ex-ministro também seria, com o passar do tempo, condenado no decorrer da Operação Lava-Jato. Neste caso, ele disse que essa havia sido uma condenação política, com o intuito de se obter uma delação premiada que pudesse comprometer Lula. Se essa era a intenção de Moro & Cia, foi uma demonstração de ingenuidade. Quem conhece minimamente José Dirceu sabe que a chance de ele delatar Lula seria remotíssima – lembremos que, durante os quatro anos em que viveu clandestinamente na cidade paranaense de Cruzeiro do Oeste, não revelou a ninguém a sua verdadeira identidade, nem à mulher que deu à luz a seu primeiro filho, Zeca (hoje deputado e líder do PT).
Coincidência ou não, José Dirceu, depois de um longo silêncio, apareceu duas vezes na imprensa durante a semana passada. Mas, no fundo, o ex-ministro sabe que ainda é um político radioativo e afirmou que não fala com o presidente. Mas ressalvou: “Ele sabe como eu penso e eu sei como ele pensa”.
Mesmo assim, Lula se sente tentado a reabilitar o ex-companheiro. Talvez a única coisa que o impeça sejam as condenações que ainda persistem contra Dirceu. Mas o caminho para isso talvez seja mais curto do que se imagina. Afinal, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal tem o poder de reescrever o passado, como o fez no caso do próprio Lula. Será que, nesta mesma balada, José Dirceu será considerado inocente pelo STF?
Se isso acontecer, Lula não terá mais obstáculos para prosseguir com a reabilitação de Dirceu. A pergunta que não quer calar, contudo, é: será que a sociedade brasileira (especialmente a classe média) assistirá a isso sem reclamar?