Nesta semana, comemoramos o sesquicentenário da imigração italiana ao Brasil. Em fevereiro de 1874, a embarcação “La Sofia” chegou ao porto de Vitória, vinda de Gênova, trazendo 388 colonos para uma fazenda capixaba. Anos depois, milhares de imigrantes italianos vieram para cá, muitos deles adotando a cidade de São Paulo como destino final, em um primeiro ciclo que durou entre 1902 e 1920. Hoje, estima-se que 17 % da população brasileira seja composta de descendentes da Itália.
São Paulo é uma cidade que foi moldada, ao longo do Século 20, pela influência italiana – e essa interferência pode ser comprovada até no sotaque dos paulistanos. O hábito de comer o “s” no plural das palavras, por exemplo, é um sinal dessa herança. Afinal, o plural no idioma de Dante é exercido sem o “s”, com a letra “i”.
Até a virada do Século 20, o maior grupo de imigrantes presente na capital paulista era, ao lado dos portugueses, o de espanhóis (José de Anchieta, o fundador da cidade, diga-se, tinha cidadania espanhola, nascido nas Ilhas Canárias). Mas hoje percebe-se que a influência dos espanhóis diminuiu consideravelmente nos últimos cem anos.
Essa transformação pode ser vista no mundo gastronômico. O anuário “Comer e Beber”, organizado pela revista Veja São Paulo, lista em sua edição apenas três restaurantes espanhóis (há mais que isso, evidentemente). Por outro lado, há 44 estabelecimentos italianos catalogados, além de 14 pizzarias (hoje, são mais de 26 mil estabelecimentos vendendo pizzas no estado de São Paulo).
Falando em pizzaria, a primeira delas foi aberta em 1910, no bairro do Brás: Santa Genoveva. Fundada pelo napolitano Carmine Corvino, oferecia apenas três sabores (muçarela, aliche e napolitana). Antes disso, porém, os imigrantes queriam fazer suas pizzas por aqui, mas não tinham fornos grandes o suficiente para assar as redondas. A saída foi pedir emprestado aos portugueses que tinham padarias um espacinho para fazer seus discos.
Ao observar os italianos, os padeiros resolveram fazer uma versão lusitana. E rechearam a redonda com uma bacalhoada. Não deu certo, até que um deles resolveu trocar o peixe pelo presunto. Nascia, então, a pizza portuguesa, um clássico paulistano que não existe em nenhum outro país do mundo.
A pizza permaneceria algo restrito à comunidade italiana até a década de 1950, quando surgiu a Casa Vêneta, que popularizou a receita entre os paulistanos. Foi nessa década, por sinal, que surgiram os primeiros restaurantes italianos mais refinados. O Fasano, que desde os anos 1930 estava na rua Viera de Carvalho, muda de endereço e reabriu, com maior requinte, na Praça Antônio Prado (depois iria, alguns anos depois, para a avenida Paulista, no Conjunto Nacional). A família Guzzoni também abriu as portas de seu Ca’d’Oro (antes do famoso hotel) nessa época, na rua Barão de Itapetininga, em 1953. E, em 1958, Fabrizio e Mario Tatini inauguraram aquele que seria o restaurante mais chique de São Paulo durante anos, o Don Fabrizio.
Os Tatini já tinham uma cantina famosa em Santos, que acabou chamando a atenção dos turistas paulistanos que visitavam a cidade. Muitas personalidades visitaram o local, entre as quais o cantor Nat King Cole. Fabrizio Tatini, depois do grande sucesso obtido pela primeira casa, resolveu abrir um restaurante na capital. E, coincidência das coincidências, o local escolhido ficava justamente na Alameda… Santos.
A história de São Paulo se mistura com a de empreendedores gastronômicos, como Tatini, Fasano e Guzzoni – e também Giancarlo Bolla, Giovanni Bruno, Umberto Roperto e Luigi D’Olivo (Gigetto). Mas também é marcada por empresários oriundos da Itália, de sobrenomes como Matarazzo, Scarpa, Amato, Martinelli, Leonetti, Marchesi, Biagi, Bauducco e Comolatti. Além de empreendedores e executivos com sobrenomes como Terranova, Sartori, Leone, Barsi, Tozzi, Potomati, Balduccini, Setti, Fritoli, Ongaro, Papa, Salvia, Stefanini, Trinca, Moretto, Riedo, Cucci, Rotunno, Chicani, Munerato, Cataneo, Marson, Speranzani, Melantonio, Bartelle, Chieppe, Opice, Anhesini, Mucci, Abate, Borlenghi, Paneguini, Tinti e Danesi, entre outros.
São Paulo não seria a mesma sem a contribuição desses imigrantes e seus descendentes. A todos eles, o nosso muito obrigado por tanto ter contribuído para fazer dessa cidade a maior da América do Sul – e uma das maiores do mundo.