A Imagem da Semana de Money Report é a ilustração de Antonio Obá que estampa uma das edições de “O avesso da pele“, livro de Jeferson Tenório (na imagem abaixo), ganhador do Prêmio Jabuti de 2021, na categoria Romance Literário. Alvo de tentativas de censura em diferentes estados, a obra trata de racismo e violência urbana narradas por Pedro, jovem negro de classe média que tem o pai, um professor, assassinado.
Incluído no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do Ministério da Educação, o livro reconhecido por sua qualidade teve exemplares recolhidos de escolas do Paraná por determinação da Secretaria de Educação, mediante ofício expedido na segunda-feira (4). A justificativa: “em determinados trechos, algumas expressões, jargões e descrição de cenas de sexo explícito utilizados podem ser considerados inadequados para exposição a menores de dezoito anos”. O documento assinado pelo secretário Anderfábio Oliveira dos Santos ordenou que o Núcleo Regional de Educação recolhesse os exemplares das escolas estaduais. Em momento algum os detalhes criticados tiveram seus contextos levados em consideração.
A ausência de subjetividade e interpretação de texto é bem afeita a quem desconhece literatura. As críticas em redes sociais começaram com Janaína Venzon, diretora de escola no Rio Grande do Sul: “Lamentável o governo federal, através do MEC [Ministério da Educação], adquirir esta obra literária e enviar para as escolas com vocabulários de tão baixo nível para serem trabalhados com estudantes do ensino médio”. A deputada federal Bia Kicis (PL-DF) disse que há “trechos com descrições explícitas de atos sexuais”. A 6ª Coordenadoria Regional de Educação do Rio Grande do Sul chegou a solicitar que os exemplares fossem retirados das bibliotecas das escolas estaduais, o que foi negado pela secretaria.
Os críticos também alegaram que a escolha do livro se deu durante o governo Lula (PT). Mentira. “O avesso da pele” foi selecionado durante o governo Bolsonaro pelo PNLD, que tem autonomia de ação. O programa existe há 80 anos e é elogiado por especialistas, professores e estudiosos. De acordo com a Folha de S. Paulo, o título consta até na lista de vestibular do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), faculdade de engenharia ligada à Força Aérea Brasileira (FAB), cujas provas de admissão estão entre as mais difíceis do país.
Jeferson Tenório afirmou que as iniciativas de censurar seu livro são obra da polarização política e do conservadorismo. À emissora Globo News, declarou: “Me causa sempre espanto, porque já temos tão poucos leitores no Brasil e deveríamos estar preocupados em formar leitores. E não censurar livros”.
À TV Brasil, disse que seu trabalho retrata a violência sofrida pelas pessoas negras e da periferia. “[O livro] traz algumas cenas e frases que justamente são usadas para agredir pessoas negras, pessoas periféricas. Essas frases e cenas que a diretora elencou são na verdade como as pessoas negras são vistas, como são sexualizadas, violentadas na sociedade. Isso é uma coisa cotidiana”, disse.
A capa
Para quem não conhece, a ilustração “Trampolim”, de Antonio Obá (abaixo), é uma referência a um episódio da luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, que até os anos 1960 eram proibidos de frequentar piscinas públicas. Nas palavras do artista: “A água, que a priori é para todos, aqui se torna um símbolo de segregação e luta. Na imagem do quadro, vemos um banhista prestes a pular na água. Para mim, o que está em jogo é uma espécie de batismo de fogo“.
Em nota, o Ministério da Educação (MEC) explicou o processo de inclusão de obras no PNLD. São os professores que escolhem livros a serem adotados em sala de aula. A pasta envia as obras para escolas apenas mediante solicitação dos próprios educadores.
São censuráveis?
De acordo com a lógica tortuosa do obscurantismo, MR selecionou alguns clássicos da literatura brasileira que poderiam ser alvo dos argumentos de quem considerou “O Avesso da pele” impróprio.
Grandes sertões: veredas – Jagunço brutal cultiva sentimentos confusos em relação a um colega de bando: ideologia de gênero.
Gabriela, cravo e canela – Retirante ignorante e belíssima não aceita ser submissa a um só homem: coisa de feminista.
Auto da Compadecida – Um Jesus negro condena à danação personagens violentos ou de moral duvidosa, mas tem sua autoridade divina contestada por sua mãe: não é de Deus.
O beijo no asfalto – Funcionário público beija os lábios de moribundo atropelado diante de uma multidão: falta de cura gay.
Capitães de areia – Sexo entre menores abandonados: pornografia adolescente.
Dona Flor e seus dois maridos – O título sugere muito, mas não explica nada: contra a família e o casamento.
Quarto de despejo – Mulher negra e miserável só reclama da vida por ser pobre, preta e do sexo feminino: racismo reverso e rancor de quem não subiu na vida.
Feliz ano velho – Jovem cadeirante de classe média de esquerda conta suas peripécias sexuais: nhenhenhém de filho de comunista.
Dom Casmurro – A criança de Capitu só pode ser de outro: livro chato, cheio de páginas.