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O que está em jogo na briga pelos dividendos que derrubou as ações da Petrobras

Há duas visões entre os acionistas da petroleira que melhor remunerou em 2023. Uns querem a totalidade dos lucros, outros defendem um fundo que garanta a transição verde

A Petrobras anunciou, na última semana, o resultado financeiro da companhia em 2023 com um lucro líquido de R$ 124,6 bilhões, segundo maior valor da história. Mesmo assim, as ações da petroleira caíram cerca de 10% na sexta-feira (8). No meio, uma disputa que coloca em perigo o cargo do presidente da companhia, Jean Paul Prates, que de início quis fatiar o lucro entre acionistas e o fundo financeiro que serviria de reserva e garantia de investimentos. O problema é que o conselho de administração deseja colocar tudo nesse fundo.

A partir daí começou uma briga de egos tão significativa quanto os bilhões em jogo. O desafio de Prates é convencer Lula que sua alternativa é boa. No campo oposto, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que almeja os dividendos para compor o caixa do governo, o principal acionista da petroleira. O dinheiro ajudaria na busca do superávit primário desejado pela reforma tributária, ainda que Silveira não seja um adepto do rigor fiscal.

Foi convocada uma reunião com Lula para resolver o impasse. Como fiel da balança estaria o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que só toparia a retenção dos dividendos se lhe ficar muito claro que a decisão aliviará as contas públicas em pouco tempo. A posição de Prates é delicada, se considerado que o ministro da Casa Civil, Rui Costa, estaria inclinado para o lado de Silveira. Já Haddad afirmou, no final desta segunda (11), que qualquer decisão estaria boa, desde que a busca pelo déficit zero fosse mantida. Não é bem assim.

Analistas do mercado financeiro atribuíram a queda à decisão da companhia de reter os dividendos extraordinários, avaliados R$ 43,9 bilhões, adiando o pagamento desses recursos para o futuro. Os dividendos são a parte do lucro que é repassada para os acionistas da empresa.

Para entender esse movimento, a Agência Brasil ouviu três especialistas em mercado de petróleo. Eles avaliaram que a reação do mercado financeiro à retenção dos dividendos foi uma resposta às mudanças na gestão da Petrobras em relação ao governo anterior, que dava maior prioridade ao pagamento dos acionistas. Os mais alarmistas acreditam que a retenção total dos dividendos afugentaria investidores. Também não é bem assim. Já que ao final do dia uma freada de arrumação foi dada após uma reunião entre Prates, Haddad, Silveira, Costa, a diretoria da Petrobras e Lula, que colocou panos quentes na sangria dos papeis. “Foi uma reunião muito boa”, desconversou o presidente. Será preciso esperar para ver se funcionou.

Pressão

O economista do Observatório Social do Petróleo, Eric Gil Dantas, avaliou que a reação negativa do mercado é um movimento com objetivo de pressionar a empresa a pagar os dividendos de forma imediata. “Há uma pressão para que a Petrobras pague ainda mais dividendos. Mesmo sendo a maior pagadora de dividendos do Brasil, o mercado sempre vai querer que a Petrobras pague mais, mesmo que isso prejudique o caixa da empresa”, destacou.

“Não parece ter base na realidade uma chantagem de desvalorização da companhia. Primeiro, porque ela é a segunda maior geradora de caixa entre as petrolíferas do Ocidente e também porque já é a maior pagadora de dividendos do Brasil”, completou Dantas.

O especialista destacou ainda que a estatal brasileira ficou atrás apenas da petroleira estadunidense Exxon em volume de fluxo de caixa livre em 2023, que é o dinheiro líquido à disposição da companhia.

Curto prazo

Para o diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep), Mahatma Ramos, a reação do mercado é a expressão do descontentamento de alguns atores. “Em especial, aqueles acionistas que têm interesses de curto prazo, que ficaram insatisfeitos com a proposta de distribuição do volume de dividendos”, destacou. Mahatma defendeu que esse descontentamento é desmedido, uma vez que os R$ 43 bilhões retidos devem ficar em uma reserva que é usada para remuneração de acionistas.  

“A Petrobras segue como uma empresa resiliente, lucrativa, com solidez financeira e pagando robustos dividendos, o que, em certa medida, não casa com o descontentamento desses atores de mercado que têm uma visão de que a Petrobras é uma empresa que deve apenas gerar lucratividade e distribuir dividendos no curto prazo, em vez de pensar num plano de desenvolvimento energético sustentável de longo prazo para o país”, comentou.

Transição verde

Para o economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a queda no preço das ações é um movimento localizado e circunstancial. “A tendência é que, conforme a Petrobras vá se reconsolidando como empresa de energia orientada para a transição verde, esse planejamento estratégico leve os agentes de mercado a mudar sua visão, a mudar a forma como esperam que o valor da empresa deva ser tratado no preço da ação. E aí ela volta a subir”, destacou.

Roncaglia argumentou que a reação do mercado tem relação com o fato da empresa estar atuando alinhada com sua natureza mista, que busca objetivos privados, mas também precisa atender a interesses públicos. “A frustração do mercado é porque ele estava acostumado a Petrobras ter uma natureza extrativista, ou seja, pegar o dinheiro e repassar na forma de dividendos. A nova gestão está olhando mais para o longo prazo, então está retendo mais lucros para poder investir”, destacou.

Pela metade

A diretoria da empresa enviou ao conselho de administração uma proposta para pagar 50% dos dividendos extraordinários e reter os demais 50%. Porém, o conselho decidiu propor reter todo o valor dos dividendos extraordinários em um fundo de reserva que, segundo o estatuto da própria companhia, deve ser usado para remunerar os acionistas ou, caso necessário, cobrir possíveis prejuízos. Tal proposta ainda precisa ser aprovada pela assembleia geral ordinária, que reunirá os acionistas da Petrobras e 25 de abril.

O diretor financeiro e de relações com investidores da Petrobras, Sérgio Caetano Leite, justificou que o conselho decidiu reter todo o valor para analisar melhor os cenários, levando em conta que estão previstos maiores investimentos. “Olhando para os dois anos de forte investimento, 2024 e 2025, o conselho pede mais análise. Está no papel dele, no direito, talvez até no dever dele, de pedir essas análises que serão levadas ao conselho”, afirmou Sérgio. Ele alegou saber que a decisão “frustra alguns investidores, mas, na prática, é uma decisão tomada pela alta gestão e que a diretoria vai acompanhar”.

Colchão de liquidez

A direção da empresa sustenta que, como não há previsão de prejuízo no médio ou curto prazo, a reserva de R$ 43 bilhões vinda dos dividendos extraordinários seria usada para remunerar acionistas neste período problemático vindouro.  

Mesmo que não possa usar esses recursos para outras finalidades, o professor Roncaglia destacou que a retenção desse dinheiro aumentaria o “colchão de liquidez”, dinheiro à disposição que reduziria incertezas do mercado. “[O colchão de liquidez] permite acessar juros mais baixos e diminui a incerteza nos contratos”, comentou.  

Dividendos e investimentos  

A Petrobras foi a petroleira que mais pagou dividendos aos acionistas em 2023 quando comparado com outras cinco grandes companhias do setor: Chevron, BP, Total, Shell e Exxon Mobil, segundo levantamento da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet). Enquanto a Petrobras pagou US$ 20,28 bilhões, a segunda colocada, a Exxon, pagou U$S 14,95 bilhões.

“Em 2023, a Petrobras, apesar de ter a menor receita entre as seis empresas, pagou o maior montante em dividendos. Além disso, foi a petrolífera que realizou o menor investimento líquido”, afirmou o presidente da Aepet, Felipe Coutinho.

Em 2023, a Petrobras investiu US$ 12,7 bilhões, um crescimento de 29% em relação ao ano anterior. Apesar do aumento, Eric Gil Dantas, do Observatório Social do Petróleo, avaliou que ainda são baixos se considerados os planos. “Não faltam projetos tocados. São refinarias, eólicas, novas fronteiras exploratórias, novos produtos ligados à transição energética. Se a Petrobras não controlar o pagamento dos seus dividendos, terá que se endividar para fazer investimentos”, avaliou o economista.

(com Agência Brasil e MR)

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