Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) – A figura franzina de Marina Silva remete a uma suposta fragilidade, mas a defesa determinada de posições e sua postura combativa demonstram uma face completamente diferente da moeda, que pode ou não ajudá-la em sua terceira tentativa de chegar à Presidência da República, agora pela Rede.
“Ela é aberta ao diálogo, à troca, mas quando é para ser enérgica, é enérgica. Faz as coisas, tem uma energia, uma vitalidade muito grandes. O pessoal olha e a vê franzina, mas não tem noção da capacidade de trabalho dela”, garante o pupilo da ex-senadora e candidato a deputado federal pela Rede, Zé Gustavo, segundo quem Marina preserva tom “pedagogizante” ao conversar com os companheiros mais jovens.
Na opinião de outra pessoa próxima, que acompanhou a candidata desde os primórdios de sua atuação política no Acre, Marina já viu seu temperamento e o apego às convicções lhe renderem reveses. Segundo esse amigo, que preferiu não ser identificado, a ex-ministra reúne as características típicas de um perfil combativo: assume a linha de frente, mantém posições.
“Mas aí vem um aspecto negativo que é ser pouco flexível, no geral, e que vai para cima quando tem uma posição”, disse o amigo.
Marina “suavizou” a atuação com o passar do tempo, relata o amigo, mas isso não a impediu de bater o pé quando considerou necessário, mesmo sob a ameaça de perdas políticas.
O histórico de saúde corrobora a aparência frágil da política. Aos 16 anos, teve a primeira de três hepatites, e ainda foi vítima de cinco malárias. Também contraiu leishmaniose, o que a levou a Rio Branco em busca de tratamento.
Foi na capital do Acre que Marina, filha de seringueiros, teve seus primeiros contatos com a política ao ler durante a missa um cartaz sobre curso de liderança sindical rural com Chico Mendes e o padre Clodovis Boff.
Marina já vivia no convento das Servas de Maria Reparadoras, onde teve contato com o então bispo de Rio Branco, dom Moacyr Grecchi, alinhado à Teologia da Libertação. Ali, passou a atuar nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
A participação em movimentos sociais a levou a liderar em 1988 ao lado de Chico Mendes os chamados movimentos de empates, em que barreiras humanas eram formadas para impedir ações de desmatamento.
Alguns anos à frente, já como ministra do Meio Ambiente e após ter tido experiência como vereadora, deputada estadual e senadora, enfrentou embates com a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, ao ponto de deixar a pasta, em 2008.
Ainda assim, Marina mantém a fé na busca da resolução de conflitos por meio do diálogo. Foi com essa estratégia, conversando com cada parlamentar, que garantiu a aprovação da chamada Lei da Mata Atlântica, conta o amigo próximo.
E é dessa forma que vem prometendo, já há duas eleições — primeiro pelo PV e depois pelo PSB–, tentar imprimir um novo jeito de fazer política. A ideia, explica Zé Gustavo, é buscar os denonimadores comuns e usar o programa de governo a ser chancelado por uma eventual vitória nas urnas para convencer –e até mesmo constranger– parlamentares.
FALAR O QUE PENSA
E essa deve ser a abordagem nas mais diversas áreas. Na área econômica, diz Gustavo, não é possível rotular a candidata, porque ela não responde à estrutura “binária” de classificação entre “liberais” e “estatizantes”.
É pelo debate que ela pretende lidar com saias justas como as polêmicas discussões sobre a descriminalização do aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
“Boa parte das pessoas não diz o que pensa, o que acredita, para não perder voto”, declara Marina em vídeo disponível no site da Rede sobre aborto. “Eu não me somo àqueles que ficam satanizando, ou os que têm teses dizendo que é um caminho. Eu prefiro ir para o debate do que para o embate”, afirma.
Na avaliação do amigo, Marina trata a religião como uma questão de foro íntimo, não a utiliza como um palanque, e defende o Estado laico. Para ele, insistentes questionamentos sobre os temas foram exaustivamente respondidos pela candidata, o que o faz pensar que os retornos ao assunto configuram uma espécie de “armadilha” e geram certo “cansaço”.
Antes de praticar a fé evangélica, Marina alimentava o sonho de ser freira, o que acabou instigando sua vontade de se alfabetizar, já que não poderia exercer a vocação sem saber ler ou escrever.
Nascida em 8 de fevereiro de 1958 em Breu Velho, no Seringal Bagaço, perto de Rio Branco, a hoje candidata traz um histórico de superações.
Além da pobreza e da saúde debilitada, enfrentou a morte da mãe quando tinha 15 anos e uma vida difícil no seringal. Ao mudar-se para Rio Branco, trabalhou como empregada doméstica, enquanto investia nos estudos. Alfabetizou-se no Mobral, concluiu o 1º e o 2º graus em supletivos e formou-se em História pela Universidade Federal do Acre. Concluiu ainda pós-graduações em Teoria Psicanalítica, pela Universidade de Brasília (UnB), e em Psicopedagogia, na Universidade Católica de Brasília.
E ao longo desses anos, garantem os mais próximos, não acumulou inimigos –não de sua parte, explicam. Chega até, na opinião do amigo, a dispensar tratamento melhor do que deveria a alguns que teriam sido injustos com ela. É de seu feitio, diz, não transformar adversários em inimigos.
Mas isso não faz com que as pessoas nutram simpatia automática por ela. Esse foi o caso, quando o atual presidente do PSB, Carlos Siqueira, então coordenador da campanha presidencial, desentendeu-se com Marina quando ela assumiu a cabeça da chapa após a morte do candidato socialista Eduardo Campos em 2014.
A relação com a ex-presidente Dilma Rousseff, assim como com alguns ex-companheiros do PT também não é das melhores, apesar de ser uma das fundadoras do partido.
Há quem insinue que Marina é fraca e não aguenta críticas. Foi o que fez Dilma na campanha de 2014, ao comentar choro da então candidata pelo PSB em entrevista –Marina se emocionou em pergunta sobre críticas do ex-presidente Lula a ela. A petista deu a entender que a adversária não aguentaria a pressão de comandar a Presidência da República.
Agora, Marina depara-se com outro desafio: a pequena estrutura partidária e seu menor tempo de propaganda política na rádio e TV. A ex-ministra colocará à prova seu recall e o claro investimento nas novas tecnologias e redes sociais para disputar o eleitorado.
“No meu entendimento, ganhar uma eleição com 8 segundos de televisão, pouquíssimos recursos, um partido que é mais um movimento do que um partido em termos tradicionais… com certeza haverá uma mudança, uma transição”, disse Marina em entrevista à Reuters no início de julho.