Confesso que fiquei um tanto deprimido ao acompanhar a troca de farpas entre os herdeiros de Gal Costa – o filho e a mulher que se diz viúva da cantora. Uma figura pública como Gal teve suas razões para preservar sua intimidade da curiosidade alheia. Ela não fazia apologia da própria sexualidade, não falava sobre seus hábitos de consumo ou expunha os membros de sua família. Mas a pinimba em torno de uma herança fez com que as pessoas mais próximas da cantora mostrassem uma Gal que não estava disponível para o consumo de uma plateia gigantesca.
Uma frase atribuída a Oscar Wilde diz o seguinte: “De perto, ninguém é normal”. Curiosamente, este é um dos versos da música “Vaca Profana”, de Caetano Veloso, gravada pela própria Gal. O artista, especialmente os mais talentosos, ganha o seu lugar de honra no imaginário popular por conta de sua obra – seu comportamento ou personalidade também são elementos importantes para a fama, mas deveriam ficar em segundo plano. Gal tinha a preocupação de traçar uma linha que separava sua vida particular e daquilo que poderia ser visto no palco ou ouvido nos discos. Essa linha, com a briga entre Gabriel Costa Burgos e Wilma Petrillo, desapareceu. E os segredos de alcova de uma das mais talentosas intérpretes brasileiras vieram à tona, de uma forma que ela certamente desaprovaria.
Detalhes tão pequenos, como na música de Roberto e Erasmo Carlos (também gravada por ela), ganharam um tamanho assustador: a diva da MPB gastava muito dinheiro, comprou dois apartamentos em Nova York e sete carros antes de morrer. São pormenores que saltam da boca de Wilma Petrillo sem que os jornalistas perguntem. São uma forma de mostrar proximidade com Gal, talvez para garantir que a suposta união estável com a intérprete seja reconhecida definitivamente pela Justiça.
Acredito que todos poderiam ser poupados dessas informações. Por mim, colocaríamos os nossos artistas favoritos em pedestais e nunca ouviríamos falar de miudezas que abalassem nossa admiração.
Muita gente não pensa assim. E acha que o público precisa conhecer esses gênios artísticos de perto. Nesse embalo, porém, muitas informações falsas começaram a pipocar nas redes sociais. Mas antes até do surgimento da internet, houve artistas que não quiseram ter sua vida privada revelada por livros e conseguiram proibir a publicação de biografias não-autorizadas. Esse expediente, porém, foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal. Foi nesta sessão que a ministra Cármen Lúcia disse que “cala a boca já morreu”. Mais tarde, ela diria: “Censura é forma de cala-boca. Pior, de calar a Constituição. O que não me parece constitucionalmente admissível é o esquartejamento da liberdade de todos em detrimento da liberdade de um. Cala-boca já morreu. A Constituição garante”, afirmou ela.
Os artistas explicaram que a tal censura seria uma forma de coibir mentiras que seriam publicadas por escritores. Mas, convenhamos, o problema deles deveria ser com as verdades inconvenientes, daquelas que ninguém gostaria de ver em ampla exposição. Na prática, todos sabem que “de perto, ninguém é normal”. E querem manter a sua aura de normalidade.
Trata-se de um dilema moral. De um lado, é lícito que as figuras públicas queiram manter a vida privada longe dos olhos do público. Mas, de outro, a sociedade tem o direito de saber o que bem desejar. Neste caso, não há meio-termo. Talvez seja melhor deixar que todas as informações confidenciais venham à tona. Mas confesso que saber certas características dos ídolos vai tirando inevitavelmente um pedaço da admiração que eu tenho pelos meus artistas favoritos. No fundo, no fundo, os artistas não deveriam ter vida particular.