Quando candidato, Luiz Inácio Lula da Silva falou muito em frente ampla contra o opositor Jair Bolsonaro – além de um discurso que girava em torno da pacificação política do nosso país. Eleito, viu-se que essas palavras eram mera retórica eleitoreira. No Planalto, Lula não moveu um só músculo para reduzir a polarização ideológica que reina entre os brasileiros. Além disso, privilegiou os aliados de Esquerda na hora de nomear quem iria compor o ministério. Agora, percebe-se que os movimentos esquerdistas que apoiam o governo também começam a perder espaço para uma só agremiação: o Partido dos Trabalhadores.
Tomemos como exemplo o que aconteceu no último sábado: Lula teria uma reunião para aparar as arestas com diversas entidades que comandam movimentos sociais ou determinadas categorias. Qual foi o critério de seleção dos participantes? Apenas um: foram escolhidos aqueles que pertenciam ou eram próximos ao PT.
Vejamos o caso da União Nacional dos Estudantes, que é presidida pela estudante de engenharia ambiental Manuella Mirella. Nordestina e negra, ela foi preterida no encontro. Qual o motivo? É filiada ao PC do B. Mas a vice-presidente, Daiane Araújo, e a secretária-geral, Julia Köpf, foram chamadas para o encontro. Coincidentemente, as duas são ligadas ao PT.
Esnobar a presidente da UNE é um movimento arriscado. Afinal, essa é uma posição que costuma catapultar estudantes para posições importantes na ribalta política. Ocuparam o mesmo cargo de Manuella nomes como Roberto Gusmão, Rogê Ferreira, José Frejat, Aldo Arantes, José Serra, Aldo Rebelo, Lindbergh Farias e Orlando Silva, entre outros.
Entre os movimentos sindicais, apenas a Central Única dos Trabalhadores, historicamente ligada aos petistas, participou da reunião. Isso igualmente provocou desconforto junto às demais lideranças. O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, não deixou barato: “Na hora de carregar os cartazes e as latas de cola é para todos. Na hora de discutir a conjuntura é com os amiguinhos? Erro político grave desse governo”. O fato de Juruna ter usado a expressão “desse governo” mostra a irritação do sindicalista com o fato de sua entidade ter sido ignorada.
O governo tentou botar panos quentes e usou interlocutores, como a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, para dizer que essa foi apenas a primeira de uma série de encontros que Lula está programando para discutir a relação do Planalto com os movimentos sociais. A explicação, no entanto, não conseguiu desfazer o mal-estar causado pela escolha de interlocutores.
Aparentemente, Lula escolheu o caminho oposto ao de Jair Bolsonaro. Lembremos que o Centrão foi hostilizado na campanha eleitoral de 2018 – com direito ao general Augusto Heleno fazendo paródia da canção “Reunião de Bacanas” (“Se gritar pega Centrão/Não fica um meu irmão”).
Bolsonaro, então, montou um ministério alinhado com a Direita raiz. Mas enfrentou tantos problemas com o Congresso que, um ano e meio depois da posse, fez um acordo com o bloco e nomeou o senador Ciro Nogueira como ministro-chefe da Casa Civil, encarregado de todas as negociações políticas do governo.
Ou seja, Bolsonaro começou com sua panelinha e cedeu às pressões dos centristas. Lula parece fazer o caminho contrário, dando cada vez mais poder aos petistas, enquanto vai cozinhando o Centrão em banho-maria.
Parece uma estratégia arriscada, especialmente quando o próprio PT está sofrendo de uma ciumeira interna – principalmente depois de Lula dizer em público que Rui Costa era uma espécie de primeiro-ministro de sua administração. Vários ministros, Fernando Haddad incluído, estão envolvidos em uma guerra de bastidores com Costa.
Lula, que já foi considerado um mestre nas articulações políticas, parece ter perdido a habilidade de antigamente. Por isso, precisa reagir muito rápido. Um ministério desunido acaba destruindo o governo por dentro. Suas ferramentas? Muito fogo amigo e inúmeros vazamentos para a imprensa.