Nesta semana, foi noticiado que a grupo 3G Capital, que reúne os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, deixou definitivamente o quadro de acionistas da Heinz. O único acionista de referência da empresa, assim, passa a ser a Berkshire Hathaway, do também bilionário Warren Buffet.
Lemann, Telles e Sicupira ainda estão chamuscados pelo escândalo contábil ocorrido nas Lojas Americanas. É por isso que muita gente, ao comentar a saída do 3G da Heinz, se lembrou da carta aos acionistas da Berkshire Hathaway publicada em fevereiro de 2023 e escrita pelo próprio Buffet. Dois parágrafos desse texto chamam a atenção:
“Finalmente, um aviso importante: mesmo o valor dos lucros operacionais admirados por nós pode ser facilmente manipulado pelos gestores que assim o desejarem. Tal adulteração é muitas vezes considerada sofisticada pelos CEOs, diretores e seus conselheiros. Repórteres e analistas também aceitam a sua existência. Superar as “expectativas” é anunciado como um triunfo gerencial.
Essa atividade é nojenta. Não é necessário talento para manipular números: apenas é necessário um profundo desejo de enganar. ‘Contabilidade ousada e imaginativa’, como um CEO certa vez me descreveu seu engano, tornou-se uma das vergonhas do capitalismo.”
A cara-de-pau de quem manipula números para criar cenários e lucros fictícios é, de fato, condenável e merece severas punições por parte de quem está acostumado a colocar criminosos do colarinho branco atrás das grandes.
Mas é o caso de fazer uma pergunta no estilo “ovo ou a galinha”. Os investidores, que são vítimas destes salafrários, podem estimular um cenário que leva os fracos de espírito a fraudar resultados sem um pingo de dor na consciência.
Há uma pressão enorme (e natural) por parte dos acionistas para que as empresas obtenham lucros crescentes. Neste cenário, cada trimestre é uma prova de fogo para os gestores. Caso os balancetes tragam números menores que os esperados pelos analistas de mercado, uma crise se instala na diretoria de uma empresa aberta.
Além disso, resultados considerados abaixo das projeções de mercado inviabilizam a distribuição de um bônus generoso para a diretoria. Esse fenômeno mexe com aquilo que o ex-ministro Delfim Netto chamava de “a parte mais sensível do corpo humano”: o bolso.
Quando temos a combinação de uma forte pressão dos acionistas com um dirigente de caráter fraco, a chance de existir uma fraude, em maior ou menor intensidade, é bastante razoável. É a tal “contabilidade ousada e imaginativa” à qual se referiu Buffet.
Como resolver esse problema?
Há apenas solução para um lado da equação, uma vez que é impossível que os acionistas peguem leve com os executivos da empresa que controlam. Mas, nesse caso, é preciso ter bom senso para não embarcar em metas inatingíveis ou inflar expectativas que extrapolam a realidade.
A única providência, além de aperfeiçoar os mecanismos de controle, é escolher melhor o CEO de uma empresa. Afinal, como diz um amigo que já detectou manipulações contábeis feitas pelo antecessor, uma empresa de auditoria pouco pode fazer se o primeiro escalão de seu cliente estiver envolvido na fraude. Assim, é preciso entender a mente do CEO que é contratado por um “Board”, não apenas as suas habilidades gerenciais.
Neste caso, é necessário também conhecer o caráter de um gestor e seus valores. É por isso que muitos headhunters, recentemente, estão também conhecendo a família de um candidato, para ter uma visão mais ampla de quem é o executivo que concorre a uma determinada posição. Sem uma abordagem diferente da tradicional, é virtualmente impossível escrutinar o caráter de um pretendente à posição de CEO de uma grande corporação. E casos recentes mostram que a ocasião pode fazer o ladrão.