A expressão “entre a cruz e a espada” remonta à Idade Média, quando a Igreja Católica perseguia quem desafiasse seus dogmas. Uma das vítimas foi o filósofo e escritor Giordano Bruno, queimado vivo em Roma, no ano de 1600, por achar que a Terra não era o centro do universo. As ideias de Bruno sobrevivem até hoje e muitas delas servem para definir a atual situação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que está entre a cruz e a espada por conta da recente reformulação das metas fiscais.
Em primeiro lugar, os analistas do mercado já adiantam que, para zerar as contas públicas em 2025, como quer o governo, será necessária uma receita adicional de R$ 50 bilhões (é por isso que os economistas ligados aos bancos apostam em mais um déficit de 0,6% no ano que vem). Como o ritmo previsto de crescimento econômico não é exatamente supersônico, o governo tem duas alternativas: aumentar impostos ou cortas despesas.
Ocorre que o núcleo duro do Planalto já garantiu que não haverá elevação de alíquotas. E todos conhecem a aversão de Lula a diminuir o tamanho do Estado, seja através de cortes de investimentos, demissão de funcionários públicos ou privatizações. Qual seria a saída? Aumentar a arrecadação através de maior fiscalização ou usando a criatividade dos técnicos da Receita Federal, que podem engordar os cofres públicos sem necessariamente elevar tributos. Buscar contribuições de quem paga pouco (aos olhos petistas) também é uma possibilidade.
O problema é que a relação entre Executivo e Legislativo está bastante desagastada. Ontem, por exemplo, o presidente da Câmara, Arthur Lira, anunciou que dará prioridade aos projetos da oposição após saber da demissão de seu primo, Wilson Cesar de Lira Santos, do comando da superintendência regional do Incra em Alagoas. O afastamento de Santos se deu por pressão do MST.
Se o governo precisar de qualquer ajuda do presidente da Câmara, portanto, estará em maus lençóis. Mas, em se tratando do Centrão, nenhum rompimento é definitivo. Só que, dessa vez, Lira sabe que seu cacife (um tanto abalado nos últimos tempos) aumentou com o desconforto e o descrédito de empresários e banqueiros em relação ao afrouxamento das metas fiscais.
Voltando a Giordano Bruno. Vamos lembrar de três frases do filósofo que têm a ver com o panorama atual.
“Feliz na tristeza, triste na alegria”. Essa sentença pode resumir como se sentiam os analistas financeiros em relação à meta fiscal. Todos sabiam que os números defendidos por Fernando Haddad era uma peça de ficção, mas estavam contentes com o empenho do ministro pela austeridade das contas. Agora, as projeções estão mais próximas da realidade – o que poderia ser um fator de alegria. Mas, como as perspectivas não são boas, estão tristes.
“A verdade não muda porque é acreditada pela maioria das pessoas”. Uma das mais importantes leis econômicas é a de que existe a necessidade suprema de um equilíbrio nas contas públicas para que a economia se comporte de maneira positiva. Mas a maioria dos componentes desta administração (excetuando-se, evidentemente, o ministro Haddad) acha que o déficit público é um detalhe e que “governo bom é aquele que gasta”.
“Que ingenuidade pedir a quem tem poder para mudar o poder”. O Planalto insiste em não ouvir os setores produtivos do país e se considera dono absoluto da verdade, colocando o Estado no centro de tudo. O ideal seria criar uma política econômica que ouvisse as sugestões dos empresários – mas, como disse Bruno, seria muita ingenuidade esperar algo do gênero.
Durante muito tempo, os economistas ligados ao PT disseram que a política econômica da ex-presidente Dilma Rousseff não deu certo por sabotagem do empresariado, que deixou de investir. Aparentemente, esses teóricos estão ganhando espaço entre quem influencia as decisões de Lula. O ministro Haddad, infelizmente, perdeu esse round. Mas está no poder para evitar que se cometa um retrocesso lamentável, usando o ideário de Dilma na mesma intensidade que observamos entre 2009 e 2014. Haddad pode não ser o protótipo do ministro da Fazenda idealizado pela Direita. Mas é ele, hoje, quem está segurando as pontas para que não se estrague de vez os fundamentos de nossa economia.