Estava há alguns dias folheando uma revista antiga, um de meus passatempos favoritos. A publicação era de 1953 e, para variar, fiquei observando atentamente os anúncios. Havia de tudo: achocolatados, produtos químicos, companhias aéreas ou bancos. Mas um deles me chamou muito a atenção e me fez viajar no tempo. Era uma propaganda da Cerâmica São Caetano e um produto muito procurado em São Paulo naquela década: o piso de caquinhos vermelhos (interrompidos por ilhas de pedacinhos vermelhos e pretos), chamado no texto de “mosaico de cerâmica”.
Morei em duas casas que tinham esse chão vermelho. Esses caquinhos fazem parte de várias memórias da minha infância – e imagino que tenham o mesmo efeito em várias pessoas quando lembram de seu passado.
Mas como surgiu esse “mosaico de cerâmica”? Tudo começou exatamente na empresa que fez o anúncio que vi, a São Caetano. Até a década de 1940, eram vendidas apenas lajotas de cerâmica nas lojas de material de construção – e essas peças eram produzidas em vermelho (em maior quantidade) e nas cores preto e amarelo.
Ocorre que a produção industrial da época deixava a desejar. E, durante o processo, várias lajotas se quebravam – e os caquinhos eram guardados em um depósito. Quando o entulho atingia um determinado volume, tudo era encaminhado para aterros sanitários.
Em algum momento dos anos 1940, porém, um operário da São Caetano estava finalizando a sua casa e resolveu pedir aqueles caquinhos para revestir o chão de sua residência. Usou os vermelhos e fez ilhas com os pretos no centro e os amarelos em volta. Os vizinhos gostaram do resultado e pediram também para levar aquelas sobras da indústria para casa. Houve tanto interesse que a empresa resolveu cobrar o equivalente a 30% do preço original das lajotas.
Por alguns dias, isso funcionou bem – até que os caquinhos acabaram.
A demanda, no entanto, continuou. Os pisos vermelhos deixaram de ser algo restrito às casas de operários e ganharam as residências de classe média que eram erguidas nas regiões de Cerqueira César, Jardins, Itaim Bibi, Vila Nova Conceição, Moema e Brooklin. Com isso, a Cerâmica São Caetano passou a quebrar as lajotas de propósito para vender os pedaços. Com o passar do tempo, o quilo do caquinho passou a custar mais que o da lajota original.
A casa onde morei durante minha infância e toda a adolescência foi erguida em 1948. Portanto, a chance de os caquinhos da garagem e do quintal serem da leva original das sobras é razoável. Mas isso nunca saberemos. O importante, para mim, é a sensação de nostalgia que esses pisos vermelhos trazem para mim.
Enquanto em São Paulo esses pisos vermelhos eram encontrados em todas as regiões, em casas de todos os níveis sociais, no Rio de Janeiro virou um item de decoração típico do subúrbio. Tanto é que no seriado “A Grande Família”, da TV Globo (remake de uma série dos anos 1970), a casa da família do personagem Lineu tem uma calçada com esses caquinhos.
Como a moda vai e volta, torço para que novas residências retomem essa tendência e voltem a usar os caquinhos em seus quintais. Portanto, aqui vai o meu compromisso: se eu for construir alguma casa, no futuro, vou usar esses caquinhos em pelo menos um pedaço do terreno, que será apresentarei aos convidados como o “cantinho da saudade”.
E vocês, também se animam?
Uma resposta
Que lembranças deliciosas, Aluizio, das quais compartilho! Adorei a ideia de retornar à utilização. Bjs