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Moro vira réu no STF: o que esse caso nos ensina

O senador Sergio Moro foi gravado em uma festa junina, dois anos atrás, quando iria ser encaminhado a uma prisão de brincadeira (um dos divertimentos clássicos dos festejos do mês de junho). No vídeo, ele brinca que vai “comprar um habeas corpus do Gilmar Mendes” para ser libertado. O que parecia ser um chiste sem maiores consequências virou uma denúncia da Procuradoria-Geral da República, que foi aceita pelo Supremo Tribunal Federal. Moro, assim, virou réu em um crime de calúnia contra o ministro do STF.

Se não houvesse o vídeo registrando o comentário malicioso do senador, nada teria acontecido. Mas o processo que se seguirá também foi motivado pela repercussão da postagem dessa gravação nas redes, que viralizou bastante e rendeu milhares de visualizações. Diante disso, que conclusões podemos tirar desse acontecimento?

A primeira interpretação é muito simples: não faça piadas com ministros do Supremo. Se o piadista em questão for uma figura pública, então, o risco de abertura de um processo se amplifica enormemente. Portanto, o STF está passando uma mensagem clara à sociedade: não mexa conosco.

Mas esse episódio traz em si outra lição: cuidado com a espontaneidade. Moro normalmente é uma pessoa comedida em suas declarações públicas. Mas, neste caso específico, estava em um momento de lazer e abaixou a guarda. Esse é o problema das gafes atuais, quase todas registradas em vídeos. Não há como dizer que houve uma má-interpretação dos fatos, pois tudo foi registrado pela câmera de um celular.

No livro de George Orwell, “1984”, escrito em 1949, há uma sociedade totalitária que controlada por um líder onipresente, chamado de o “Grande Irmão” (de onde tiraram o termo “Big Brother” do programa de TV). O Estado é dominado pela Polícia do Pensamento, que não permite nenhum tipo de subversão, mesmo que esteja apenas no plano das ideias.

Em um determinado momento do livro, Orwell escreve o seguinte: “Era terrivelmente perigoso deixar seus pensamentos expostos se você estivesse em qualquer lugar público ou dentro do alcance de uma teletela. Qualquer coisa poderia denunciá-lo”.

Qualquer semelhança entre essas linhas e o que aconteceu com o senador Moro é mera coincidência? Talvez não.

Na publicação, temos um Estado que vigia constantemente os cidadãos através do que Orwell chamava de “teletela”. Na sociedade atual, temos algumas variações desse tipo de aparelho, a começar por nossos smartphones e pelas câmeras instaladas em espaços públicos. Somos todos tentáculos dessa rede de informação que alimenta uma espécie de “Grande Irmão”, que existe para impor a ordem e punir recalcitrantes. Neste momento específico, o STF parece personificar como nenhuma outra entidade o papel imaginado pelo escritor inglês (cujo verdadeiro nome era Eric Arthur Blair).

Nossa sociedade não é totalitária como a imaginada por Orwell em sua narrativa distópica. Mas já sofremos as consequências de estarmos vigiados quase vinte quatro horas por dia. As pessoas se autopoliciam e têm receio de dizer o que realmente pensam. Lembremos de uma pesquisa feita pelo Datafolha no meio da campanha eleitoral de 2022: o estudo mostrou que 49 % dos brasileiros deixaram de falar sobre política para evitar discussões. A enquete também mostrou que, nos grupos de WhatsApp, 43 % pararam de falar sobre política e 19 % saíram de alguma comunidade virtual para não brigar com seus pares. O passo seguinte é simplesmente parar de dar opiniões com medo de represálias legais.

Vamos supor que Moro seja condenado por fazer piada em uma festa junina. Se isso ocorrer, a espontaneidade da sociedade sofrerá um abalo extremo, pois ninguém mais vai querer fazer uma brincadeira com o Executivo, Legislativo e muito menos o Judiciário. Estaremos fadados a viver para na base do “não me comprometa”, como o personagem Evaristo, do saudoso Jô Soares.

https://globoplay.globo.com/v/2778255

(Veja o personagem Evaristo no link. Vale a pena)

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