Pode parecer estranho, mas quando era garoto, as estações de rádio tocavam frequentemente músicas francesas e italianas. Muitas iam para a parada de sucesso e até compunham, nos anos 1970, trilhas sonoras de novelas da TV Globo. Foi nesse contexto que conheci a obra de Françoise Hardy, no rádio que minha mãe deixava ligado na cozinha da minha casa da Alameda Campinas. Não entendia uma só palavra, mas gostava de escutar “Tous Les Garçons et Les Filles”, que tocava com alguma frequência.
Cresci um pouco e ouvi outro sucesso no rádio, chamado “La Question”, que entrou no disco com a trilha sonora da novela “Selva de Pedra” – talvez o maior sucesso televisivo brasileiro de todos os tempos (segundo o Ibope, no dia 4 de outubro de 1972, em um capítulo no qual se fazia uma revelação importante, 100% dos aparelhos de TV do Rio de Janeiro estavam sintonizados na TV Globo). Essa música era usada como pano de fundo para os personagens de Ediney Giovenazzi (Jorge Moreno) ou de sua filha Flávia (Sônia Braga, em início de carreira).
Em uma determinada tarde, estava assistindo ao jornal vespertino “Hoje” e vi que “La Question” era uma parceria entre Hardy e a compositora brasileira Tuca, que viria a falecer um pouco depois. Nesta mesma reportagem, havia o registro de que a cantora francesa já tinha estado no Brasil duas vezes, uma em 1964, para uma série de shows, e outra em 1968, para participar do Festival Internacional da Canção. Nesta ocasião, conheceu a canção vencedora (“Sabiá”) e a gravou em francês, sob o nome de “La Mésange” (depois de alguns anos, quando comprei alguns discos dela, vi que Hardy havia gravado uma canção de Taiguara, chamada “A Transa” e transformada em “Rêve”). Ou seja, a ligação dela com o Brasil sempre foi forte.
Um ano depois, a Globo usou uma canção de Hardy lançada em 1970 para rechear a trilha sonora de outra novela com Regina Duarte, que era a mocinha de “Selva de Pedra”. A novela “Carinhoso” foi outro sucesso estrondoso e o LP com a trilha continha “Le Crabe” – uma de minhas canções favoritas até hoje.
Quando era adolescente, vi na TV Bandeirantes a exibição de um filme que também adoro até hoje: “Grand Prix”, de John Frankenheimer. E quem era uma das atrizes? Françoise Hardy em pessoa. Ela fazia Lisa, a namorada de Nino Barlini (Antonio Sabato) um dos pilotos da equipe Ferrari.
Já adulto, comprei seus discos em vinil e em CD. E baixei várias canções suas em formato digital depois que Steve Jobs inventou o Ipod e, anos mais tarde, o smartphone. Fui um fã ao longo de praticamente toda a minha vida.
Françoise Hardy, infelizmente, foi para o andar de cima na última terça-feira e, com isso, mais uma das minhas artistas favoritas desapareceu. Sempre lembrarei dos olhos tristes e marcantes, da voz segura e das letras que falavam dos sentimentos e das contradições humanas.
Ela foi uma das responsáveis por me chamar a atenção para a cultura francesa, especialmente o cinema e a literatura. Quando, aos dezesseis anos, passei a frequentar cineclubes para conhecer a obra dos cineastas da Nouvelle Vague, um mundo novo se abriu para mim com os filmes de Alain Resnais e Jean-Luc Godard.
Por isso, e por muito mais, eu agradeço a Françoise Madeleine Hardy Dillard. Qu’elle repose en paix.
Respostas de 2
Belo depoimento, muito obrigado! Sou um fã ardoroso desde que a descobri, em 2017… mesmo eu já tendo 35 anos na época- hoje tenho 42 – tornou-se o meu maior ídolo na música. A bela francesa conseguiu suplantar em meu coração o amor pelos Beatles, Chico Buarque e outras lendas…
Não sou YouTuber, longe disso, mas no seu aniversário de 80 anos, 17 de janeiro, publiquei dois longos vídeos onde mostro e comento toda a discografia dela, além de outros itens da minha coleção. Caso queira assistir, é só digitar “Minha coleção de Françoise Hardy ” no YouTube. E desde já peço perdão pela falta de profissionalismo, são vídeos simples, de fã para fã. Um forte abraço!
Clauber, apesar de ter sido contemporânea e gostar muito da música La question, só fui conhecer Françoise e sua história de vida há uns quatro anos. Virei uma fã tardia. De uma perfeita mas displicente elegância, foi um ícone em tudo o que fez. E como todo ser humano, também teve sua passagem pelo sofrimento. Vou procurar por sua produção no YouTube.