Passageiros e companhias aéreas precisam adaptação até que a meteorologia crie modelos que melhorem a segurança dos voos. Calor obriga decolagens mais leves
Na segunda-feira (1º), um Boeing 787-9 Dreamliner da Air Europa que seguia de Madrid para Montevidéu teve que fazer um pouso de emergência em Natal (RN), após uma forte e repentina turbulência ao sobrevoar o Atlântico a 10,8 mil metros de altitude, em velocidade de cruzeiro de 940 quilômetros horários. Dos 325 passageiros a bordo mais tripulantes, quatro foram internados em UTIs e outros 36 sofreram lesões leves. Duas pessoas foram projetadas para o alto da cabine e ficaram presas entre os painéis superiores. Durante segundos de pânico houve temor de uma queda até que os pilotos retomassem o controle da aeronave de quase US$ 270 milhões. O incidente ocorreu às 2h32 da manhã. Não se tratou de um caso isolado.
As mudanças climáticas aumentaram as incidências severas de turbulências em céu claro (CAT, na sigla em inglês), quando fortes correntes de ar se movendo em diferentes velocidades se entrecruzam em grandes altitudes. Por ocorrerem em céu limpo, não são detectados pelos radares meteorológicos, por isso pegam a todos desprevenidos. Nem mesmo satélites conseguem identificá-las. A solução mais usual é um piloto fazer um desvio após ser alertado por outro colega que está voando mais a frente na mesma rota.
Não que haja perigo de uma queda ou colapso de uma asa. Grandes aeronaves conseguem aguentar voar em furacões, já os passageiros podem sair machucados quando estão com os cintos desatados ou portando objetos de mão pesados, como notebooks. Em maio, um passageiro da Singapure Airlines morreu após uma forte instabilidade.
Para evitar esses episódios, no curto prazo é preciso reforçar procedimentos e adotar itens de cabine mais firmes. Paul Williams, professor de ciências atmosféricas da Universidade de Reading, na Inglaterra, afirma que há “fortes evidências de que a turbulência está aumentando devido às mudanças climáticas”, mas faltam estudos mais completos. “Em termos simples, as alterações climáticas aumentam a diferença de temperatura entre as massas de ar quente e fria que colidem para formar a corrente de jato na alta atmosfera. Este efeito está tornando a corrente de jato menos estável”, explicou.
Onda de calor
Em maio foi divulgada uma compilação de relatórios de pilotos que contabilizou 68 mil episódios moderados e severos ao longo de 12 meses. Já a fabricante Airbus analisou 240 casos em suas aeronaves. Lesões em passageiros e tripulantes de cabine ocorreram em 30% dos voos de longo curso onde foram relatadas turbulências severas. Em voos de curta distância, o índice caiu para 12%. A diferença se dá pela altitude. Voos de longo curso ocorrem acima dos 9 mil metros, na alta troposfera (dos 7 mil aos 12 mil metros), área sem nuvens onde as CAT costumam ocorrer. São nessas viagens que os passageiros costumam desafivelar os cintos com mais frequência para se acomodar melhor nas poltronas ou irem ao banheiro.
No longo prazo, além de manter os cintos o maior tempo possível será preciso investir. A detecção de ventos irregulares em grandes altitudes é possível com alguma precisão usando cintilômetros, escaneamento laser ou interferômetros, equipamentos que não estão adaptados e disponíveis em aeronaves de linha.
Porém, os extremos climáticos afetam a aviação de outras maneiras. Em 2017, durante uma onda de calor no Arizona, Estados Unidos, centenas de decolagens foram canceladas depois que o termômetro passou dos 48º Celsius. Na ocasião, um estudo da Universidade de Columbia e da consultoria Logistics Management Institute estimou que em meados do século, cerca de 30% dos voos que partirão nas horas mais quentes do dia não serão capazes de partir com peso máximo. É uma questão de física. O ar mais quente e menos denso reduz a sustentação das asas, exigindo mais pista e gastando mais combustível. Resultado possível. Atrasos e passagens mais caras.
Uma escala de eventos
Fonte: Airbus