Durante o final de semana, o presidente Joe Biden pôs fim a uma longa agonia e desistiu de concorrer à reeleição, retirando sua candidatura. Mas a demora em tomar essa decisão pode ter sido fatal, pois reduziu bastante o tempo hábil para se trabalhar uma nova campanha. O quadro se mostra complicadíssimo para os democratas quando lembramos que, nos último quatro anos, o Partido nada fez para trabalhar a imagem de novos políticos da agremiação azul.
Biden apontou a vice, Kamala Harris, como sua favorita para substituí-lo. Mas o martelo só será oficialmente batido entre os dias 19 e 22 de agosto, quando a convenção democrata sacramentará o nome do candidato oficial da sigla. Mas os azuis se movimentaram rapidamente para endossar a vice-presidente como sua candidata oficial.
Caso Harris seja confirmada, estará repetindo o que ocorreu em 1968. Neste ano, o presidente Lyndon Johnson também desistiu de concorrer à reeleição. A razão? As críticas que vinha recebendo em relação à participação americana na Guerra do Vietnã. O ungido para substituí-lo foi justamente o vice Hubert Humphrey, que perdeu de lavada para o republicano Richard Nixon.
Harris terá o mesmo destino de Humphrey?
Como o vice de Biden, Kamala Harris teve uma atuação apagada nos últimos quatro anos. E terá de enfrentar uma dificuldade comum a todos os vices que concorrem à presidência: precisará defender até medidas com as quais não concordou durante a gestão atual.
Além disso, há um problema maior. Uma das forças propulsoras da candidatura Trump é a reação contra a cultura woke, que tomou conta do Partido Democrata e tem em Harris um de seus grandes símbolos (a chamada cultura woke é um movimento social que advoga – muitas vezes de forma agressiva – inclusão de minorias e a solução de problemas sociais e ambientais através da atuação do Estado).
A maioria das pesquisas mostra que Harris, caso nomeada, seria derrotada pelo candidato republicano por uma margem semelhante à atingida por Biden. Portanto, talvez ela não seja o melhor nome para substituir o presidente. Outros nomes corriam por fora: os governadores Gavin Nelson (Califórnia), J. B. Pritzker (Illinois) e Gretchen Whitmer (Michigan). Mas todos se alinharam junto à vice-presidente.
Esses nomes, porém, não eram as únicas alternativas: uma enquete encomendada pela agência Reuters mostrou a ex-primeira-dama Michelle Obama derrotando Donald Trump por 11 pontos percentuais. Diante desse resultado, é possível concluir que o carisma pessoal de Michelle supera bastante as resistências do eleitor médio às atuais bandeiras democratas. Para o eleitorado woke, seria uma mão na roda: as principais bandeiras do movimento seriam defendidas sem que a eventual candidatada tivesse que falar uma só palavra sobre o assunto.
Outro dado reforça que o poder do carisma da ex-primeira-dama: o marido de Michelle, Barack Obama, foi considerado em 2014 o pior presidente americano desde o pós-guerra, segundo a pesquisa da Universidade Quinnipiac, de Connecticut.
Mas isso não deve ter grande efeito para o eleitorado. Quatro anos depois, o estudo foi refeito. Desta vez, quem ganhou o título de pior presidente desde 1945 foi Donald Trump, que hoje lidera as enquetes americanas. É como disse o ex-governador mineiro Magalhães Pinto: “Política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Você olha de novo e ela já mudou”.
Por isso, esse reset geral dado pela desistência de Biden pode significar que a corrida pela Casa Branca, que todos já julgavam vencida por Trump, voltou à estaca zero. Mesmo assim, o candidato republicano – especialmente se os democratas continuarem tomados pela inércia – ainda é o favorito. Uma coisa, no entanto, é certa: Kamala Harris tem a espinhosa missão de reverter uma derrota esperada e, neste contexto, não há nada a perder. Portanto, não haverá pressão sobre ela. Isso pode ser um fator positivo para a candidatura da democrata.