A farsa eleitoral encenada pelo ditador Nicolás Maduro não convenceu ninguém – a não ser a Executiva do Partido dos Trabalhadores e os esquerdistas empedernidos. Enquanto há um questionamento quase que unânime ao redor do mundo sobre o resultado oficial das urnas na Venezuela, o PT emitiu ontem uma nota de teor risível, reconhecendo a vitória de Maduro e classificando a eleição venezuelana como uma “jornada pacífica, democrática e soberana”. A nota do partido, no entanto, difere da posição oficial do governo, que prefere – antes de tomar alguma atitude – aguardar a “publicação pelo Conselho Nacional Eleitoral de dados desagregados por mesa de votação, passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito”.
A aparente divergência, no entanto, parece ser uma bem ensaiada jogada entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente do PT, Gleisi Hoffman. Enquanto o Planalto, através do assessor especial (e ex-chanceler) Celso Amorim, reconhece a necessidade de transparência e ensaia um distanciamento da ditadura venezuelana, o partido abraça o teatrinho de Maduro. De um lado, o governo percebe a repulsa da sociedade brasileira pelo regime chavista e cobra a divulgação de dados que comprovariam a vitória por parte do ditador. De outro, agrada os militantes de esquerda com uma nota partidária. Na prática, diante da opinião pública, Glesi morde e Lula assopra.
Lula, ao melhor estilo tucano, ficou em cima do muro para não se comprometer. “Tem uma briga, como vai resolver essa briga? Apresenta a ata. Se ata tiver dúvida entre oposição e situação, oposição entra com recurso e vai esperar na Justiça tomar o processo. Aí vai ter a decisão, que a gente tem que acatar. Eu estou convencido que é um processo normal, tranquilo”, disse à Rede Matogrossense de TV.
O presidente aproveitou para dizer que não havia nada demais na nota divulgada pelo PT. Para ele, o texto é um “elogio ao povo venezuelano pelas eleições pacíficas”. De “pacífica”, no entanto, essa jornada não tem nada. Protestos pipocaram desde ontem em Caracas e em outras cidades do país. O saldo, até terça-feira, era de onze mortos e cinco estátuas do falecido ditador Hugo Chávez derrubadas.
Diante do questionamento de vários países, Maduro lançou mão daquilo que os déspotas sabem fazer de melhor: reprimir. Em vez de mostrar as atas que comprovariam seu triunfo, preferiu decretar a expulsão de diplomatas dos sete países latino-americanos que não reconheceram o resultado oficial das urnas e ainda pediram os documentos que detalhariam os números divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral.
Um desses países, o Chile, é governado por Gabriel Boric, da Convergência Socialista, um partido que se define como “feminista, socialista e emancipatório”. O presidente Boric, assim, é uma voz acima de qualquer suspeita e rejeitou a cautela adotada por Lula.
O exemplo de Boric é fundamental dentro deste mundo polarizado e distorcido por disputas ideológicas. A democracia é um valor fundamental, que precisa ser defendido por todos, independente de alinhamentos políticos. Estamos no Século 21 e não podemos mais ser condescendentes com os regimes de exceção.
Há um duro aprendizado durante o processo democrático, é verdade, e muitas vezes a vitória dá o poder aos retrógrados e incapazes. Mas esse ainda é o melhor caminho. Ditaduras, de direita ou de esquerda, levam sempre ao autoritarismo, ao privilégio de pequenos grupos e à incompetência (uma vez que as críticas são proibidas).
Paradoxalmente, a Venezuela é um caso em que a liberdade não será reestabelecida através do voto – uma vez que o sistema está corrompido pelas autoridades. Mas um eventual golpe que retire Maduro do Palácio Miraflores só ocorrerá com o patrocínio de parte dos militares que compõem o apoio do atual governo. Por enquanto, essa é uma hipótese improvável. Mas as forças democráticas precisam continuar a pressionar, dentro e fora da Venezuela.
O que podemos fazer? Impelir Lula a não reconhecer a vitória de Maduro e a romper com seu antigo aliado. Diante dos recentes acontecimentos, isso pode ser possível. Mas só ocorrerá se a sociedade brasileira mostrar de forma veemente a sua repulsa pela ditadura reinante no país vizinho.