O processo de amadurecimento do ser humano é doloroso, mesmo quando levamos uma vida confortável e próspera. Amadurecer significa necessariamente passar por gargalos emocionais e experimentar perdas. Quando crianças, por exemplo, aprendemos rapidamente que não somos invencíveis. Em qualquer brincadeira ou partida esportiva, entendemos rapidamente o significado da palavra derrota (mas também, de forma lépida, nos capacitamos a buscar uma vitória na ocasião seguinte). Nesta fase da vida, igualmente, vamos perdendo aos poucos nossa inocência e nos preparando para a dura realidade que nos acompanhará na fase adulta.
Mas o sentimento que pode nos chocar fortemente é a perda da invulnerabilidade. O. K., ninguém, nem mesmo o Super-Homem (lembram da kriptonita?), é invulnerável. Mas carregamos essa convicção dentro de nós durante muito tempo, especialmente na juventude. Nesta época, podemos ficar doentes, mas nos recuperamos. Enfrentamos algumas dificuldades, mas as superamos e seguimos em frente.
Na maturidade, porém, sentimos alguns baques que deixam os problemas da juventude no chinelo. É o caso dos momentos nos quais surge o sentimento de que somos vulneráveis. E que temos de lidar com isso daquele instante para frente.
No meu caso, a perda da invulnerabilidade aconteceu no escritório de uma médica ortopedista. Eu corria há muito tempo e tive de enfrentar alguns problemas durante essa trajetória. A paleta do joelho, instável, me trouxe contusões. Unhas foram perdidas com a fricção proporcionada pelos tênis. Músculos foram estirados. Os pés torcidos. Passei por tudo isso com determinação e paciência.
Até que senti algo estranho durante uma corrida matinal, daquelas bem básicas. Era como se a perna estivesse falhando durante a passada. Não era exatamente dolorido, mas causava uma certa aflição. Fui a uma médica recomendada por um amigo e tive de fazer alguns exames.
Ela olhou a radiografia e a tomografia e me disse que eu sofria de artrose nas articulações do quadril. Teria de fazer fisioterapia para melhorar o quadro, mas eventualmente precisaria colocar próteses nos dois lados. Então, veio a frase que me deixou sem chão: “E você nunca mais vai poder correr”.
Na época, achei que esse era apenas um problema que surgiu com o excesso de treinos. Hoje, porém, sei que minha avó sofreu o mesmo problema e minha tia também. Portanto, eu devo ter uma pré-disposição genética para o desgaste nas cartilagens.
Pois bem: eu perdi a minha invulnerabilidade durante aquela consulta médica. Até então, tudo poderia ser curado ou resolvido. Já o problema com os quadris era incontornável e me privaria de algo que eu amava. Sem choro nem vela.
A partir dali, tive de conviver com dores insistentes e recuperações difíceis após as duas cirurgias pelas quais passei. Hoje, mesmo sem dor, tenho limitações de movimento decorrentes da colocação de próteses. Nada do outro mundo. Mas que me trazer insegurança em situações que fogem do comum, como pular da terra firme para um barco e vice-versa.
Embora não seja algo agradável, a vulnerabilidade é uma ótima professora, pois ensina a todos enxergar a vida sob outra perspectiva – a das fronteiras físicas. Essas barreiras nos ajudam a levar nossas mentes para um novo patamar. Mas nem todos reagem a essas limitações dessa forma. Muitos ficam agressivos ou depressivos diante da perda da invulnerabilidade.
Mas esse não precisa ser o caminho. Se nossos músculos, articulações e ossos estão em processo de fadiga, nosso cérebro ainda está tinindo. E aprender coisas novas, na maturidade, é excepcional. A cada coisa nova que aprendemos nesta fase, renovamos nossas mentes e rejuvenescemos por dentro. Por isso, se você é uma pessoa vulnerável, como eu, aposte na cultura e no conhecimento. A recompensa será enorme.
Uma resposta
Que artigo bom, Aluízio!! Senti e sinto na carne tudo o que descreve. “Há 20 quilos atrás” eu jogava bola 4 vezes por semana, corria 7 kms por dia e nadava 2.000 mts.. Hoje, com o abdômen um pouco maior do que deveria estar e mais de 40 anos passados, sinto dificuldade pra amarrar o sapato. É uma lástima. Mas é impressionante como é importante e revelador, quando tomamos consciência de nossa vulnerabilidade. Há, claro, um lado triste, de frustração e desencanto. Mas a descoberta nos leva a outros caminhos, atitudes, posicionamentos, descobertas muito importantes. Da “escolha da próxima viagem”, aos “novos cuidados com o corpo e a mente” e por aí afora. Se enxergarmos o “amadurecimento” como uma evolução natural e sublimarmos aquilo que representa declínio, degradação, “desgaste da máquina”, descobriremos que “há muita vida pela frente”. Muito a se fazer, a descobrir, a aprender, a desenvolver. O pior caminho e a pior escolha, na minha opinião, é se entregar ao desânimo e à derrota.