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Caminhando e cantando e seguindo a canção há 56 anos

Em meados de setembro de 1968, Geraldo Vandré apresentou-se no TUCA (Teatro da Universidade Católica) com uma canção que o então todo-poderoso da TV Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, achava não ter grandes chances no II Festival Internacional da Canção.

A Globo iria transmitir a semifinal paulista do certame e toda a seleção das canções que seriam apreciadas pelo júri havia sido feita pelo produtor Renato Correa de Castro. Renatão, como era conhecido, sentiu-se na obrigação de escolher a música de Vandré, um grande nome da música brasileira e que havia vencido o principal festival de 1966, com “Disparada”, defendida por Jair Rodrigues.

Quando ouviu a letra, Renatão gelou. Era uma canção de protesto contra a ditadura militar e certamente causaria desconforto junto às Forças Armadas. Mostrou, então, a música aos seus superiores, Boni e Walter Clark, então número um da emissora. Os dois resolveram bancar a escolha, especialmente porque Boni achou que a canção era chata e seria desclassificada.

O que se viu, porém, foi o contrário. A letra panfletária levantou a multidão e tornou “Pra não dizer que falei de flores”, mais conhecida como “Caminhando”, a favorita do público e cotada para estar no pódio. A pressão em cima da Globo foi enorme e Clark chegou a receber um telefonema dos militares exigindo que Vandré não vencesse o festival.

Na finalíssima, ele ficou em segundo lugar. E acabou provocando uma das maiores vaias presenciadas no Maracanãzinho, pois o público não perdoou a vitória de “Sabiá”, de Antonio Carlos Jobim e Chico Buarque. Vandré subiu ao palco e tentou contemporizar, dizendo que Jobim e Chico mereciam o respeito de todos. Não adiantou. Saiu-se, então, com essa: “A vida não se resume a festivais”.

Quando Tom Jobim e o Quarteto em Cy encaram a plateia para defender “Sabiá”, o autor de “Caminhando” foi junto, prestando solidariedade, mas as vaias foram estrondosas. Jobim, desde aquela época o maior compositor brasileiro, ficou calado e parecia não acreditar no que via.

Voltando para casa, chorou dentro de seu fusquinha durante a travessia do Túnel Rebouças. Para piorar, quando chegou em casa, cercado por amigos que queriam festejá-lo, recebeu um telefonema e descobriu que um grande amigo, o escritor Sergio Porto (mais conhecido pela alcunha de Stanislaw Ponte Preta) havia falecido. Uma noite para o grande maestro apagar da memória.

“Caminhando” foi um dos maiores símbolos de resistência à ditadura. Ter um disco da música em casa era uma prova contundente de subversão. Em 1979, quando a censura liberou a canção, eu descobri que tinha um compacto simples de Vandré em casa, original da época. Isso me valeu pontos junto a alguns amigos naquele momento em que começava a abertura política.

Geraldo Vandré tem 89 anos, completados na semana retrasada. E, com certeza, não deve entender o que acontece nos dias de hoje. Estamos vivendo um cenário tão maluco que “Caminhando”, vem sendo entoada em manifestações bolsonaristas desde 2022 – a última delas em fevereiro deste ano, na avenida Paulista.

Na realidade atual, há pessoas que defendem a volta da ditadura militar e, ao mesmo tempo, se identificam com uma letra composta para combater o regime de exceção patrocinado pelas Forças Armadas.

Esse mundo, definitivamente, ficou muito difícil de compreender.

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