Pesquisar
PATROCINADORES
PATROCINADORES

O direito é uma ordem espontânea e não algo criado por iluminados

Os sistemas legais contemporâneos reservam uma área cada vez menor à defesa da liberdade individual

Na atual realidade brasileira, pensa-se o Direito como um grande aparato que tem por finalidade servir ao estado e àquelas pessoas que estão ligadas a ele.

Todavia, o Direito vai bem além de uma mera legislação criada pelos legisladores; o Direito é uma ordem espontânea, ou seja, algo que não foi criado pela vontade deliberada de alguém — assim como a economia, que também não foi criada por ninguém em especial.

Friedrich August von Hayek foi o autor austríaco que mais escreveu sobre essa temática. E em quatro obras.  Inicialmente, na obra Os Fundamentos da Liberdade, na qual ele analisa a constituição pela perspectiva liberal.  Depois, escreveu uma grande obra dividida em três tomos, Direito, Legislação e Liberdade. O volume I tem como título Normas e Ordem, e é onde ele aborda o tema do Direito como ordem espontânea.  Este é o livro a que irei me ater.  O volume II fala sobra A Miragem da Justiça Social; e o volume III, A Ordem Política de um Povo Livre.

No volume I de Direito, Legislação e Liberdade, Hayek analisa o Direito como uma ordem espontânea e faz um aviso importante e essencial para quem tem a “arrogância fatal” de pensar que algo tão complexo como o Direito poderia ser criado por legisladores:

Cumpre, portanto, pedir ao leitor que tenha sempre em mente, ao ler este livro, a necessária e irremediável ignorância — de todos — da maioria dos fatos particulares que determinam as ações de todos os diversos membros da sociedade humana.

O Direito (no inglês, Law), como Hayek fala em seu livroé algo que muitas vezes não era possível ser reduzido a um texto ou determinado em algo escrito.  O Direito sempre foi algo que as pessoas cumpriam e seguiam sem saber exatamente a razão. E a história comprovou que um grupo que seguia determinadas normas sempre obtinha mais prosperidade que aqueles outros que não seguiam.

Hayek destaca que

Aprender a partir da experiência, entre homens não menos que entre animais, não é um processo essencialmente de raciocínio, mas sim de observância, disseminação, transmissão e aperfeiçoamento de práticas que se impuseram porque deram bom resultado.

Os indivíduos não têm como enunciar isso já que essas normas não foram criadas por eles,

mas passaram a governar as ações dos indivíduos porque as ações realizadas em conformidade com elas alcançaram resultados melhores do que aquelas de indivíduos ou grupos concorrentes. (Hayek, 1985, p. 81)

Tal ideia é criticada pelas pessoas que Hayek rotula de “construtivistas”, aquelas que acreditam que todas as normas somente serão válidas se forem criadas pelos legisladores. Para os construtivistas, essas normas espontaneamente surgidas não seriam “racionais”.

Todavia, os construtivistas esquecem que muito do nosso aprendizado pode ocorrer pelo exemplo, pela imitação ou analogia:

Este é um problema que observamos mais de perto no aprendizado da linguagem pelas crianças, capazes muitas vezes de compor corretamente expressões de grande complexidade que nunca ouviram antes, mas que também ocorre em domínios como o da conduta, da moral e do Direito, bem como na execução de muitas tarefas em que somos orientados por normas que sabemos observar, mas somos incapazes de verbalizar.

Darwin, por exemplo, não criou o conceito de evolucionismo da Biologia e sim o pegou emprestado das ciências sociais, o que obviamente não torna o trabalho de Darwin menos importante.

Segundo Hayek (1985, p. 91),

Foi na análise de formações sociais como a língua e a moral, o direito e a moeda, que, no século XVIII, os conceitos similares de evolução e formação espontânea de uma ordem foram por fim claramente formulados, fornecendo as ferramentas intelectuais que Darwin e seus contemporâneos conseguiram aplicar à evolução biológica. Esses filósofos da moral do século XVIII e as escolas históricas do direito e da língua bem poderiam ser denominados — como alguns teóricos da língua do século XIX de fato se intitularam — darwinistas antes de Darwin.

Entretanto, um dos grandes erros no ‘darwinismo social’ foi não entender a batalha de ideias e tomar por objeto a “seleção de indivíduos e não a seleção de instituições e práticas; a seleção de aptidões inatas dos indivíduos e não a daquelas culturalmente transmitidas” (HAYEK, 1985, p. 92).

Outro grande equívoco que levou ao descrédito a teoria do darwinismo social foi a ideia de que a teoria da evolução consiste em ‘leis de evolução’.  Mas tal fato não se confirma, uma vez que essas ‘leis de evolução’ se pretendem como uma marcha inevitável da história.

Segundo Hayek:

a teoria da evolução, em si, não fornece mais que a descrição de um processo cujo resultado dependerá de enorme quantidade de fatos particulares, excessivamente numerosos para que pudéssemos conhecê-los em sua totalidade.

A ideia de que haverá uma marcha histórica e predeterminada não tem qualquer relação nem com a legítima teoria da evolução, nem com a ideia de ordem espontânea e nem com a ideia de “grande sociedade”, para utilizar as palavras de Karl Popper.

Essas ideias predeterminadas se baseiam nas concepções do historicismo de Comte, Hegel e Marx, que acreditavam, de maneira puramente mística, que a evolução seguiria cursos já determinados e conhecido, mas que somente esses “iluminados” conseguiam vislumbrar.

Ainda segundo Hayek:

Tais abusos do conceito de evolução em disciplinas como antropologia, ética e também o Direito, abusos que por algum tempo o levaram ao descrédito, tiveram por base uma concepção equivocada da natureza da teoria da evolução.

Todavia, isso não destoa do fato de o Direito ser uma ordem espontânea que decorre desse evolucionismo.

E isso fica claro se trouxermos a teoria da evolução para o seu significado correto, sendo o Direito uma estrutura complexa que somente poderá ser compreendida como resultado de um processo de evolução em que “o elemento genético é inseparável da ideia de ciências teóricas” (MENGER, 1963, página 94).

Tal evolução foi muito mais bem percebida no Direito Consuetudinário (Common Law) da Inglaterra.  À época, o Direito precisava ser descoberto em cada caso concreto que era trazido pelas partes para ser decidido por um juiz, o qual buscava a solução ideal para o conflito respeitando os precedentes anteriores da corte, de forma que “as leis eram determinadas por tribunais que independentes do poder que organizava e dirigia o governo” (HAYEK, 1985, p. 235).

Já no Direito Estatutário, Civil Law, o positivismo jurídico tem por pretensão a “arrogância fatal” de buscar uma previsibilidade em todo o sistema jurídico, dando a entender que o Direito poderia ter sido criado por burocratas, e que, com isso, haveria uma maior segurança jurídica.

Todavia, o que se viu do decorrer da história, principalmente da história recente do mundo moderno — já que o positivismo jurídico é algo relativamente novo, tendo seu marco inicial com o Código Civil Francês de Napoleão, em 1804 –, foi uma extrema insegurança jurídica onde quer que esse sistema (Civil Law) tenha sido implantado, sendo o Brasil um exemplo disso.

Já nos países que seguiram a ideia de Common Law, sendo a Inglaterra o bastião dessa ideia, o “aparente caos” — uma vez que não há um controle central na mão dos burocratas, com o Direito sendo estabelecido caso a caso — permitiu uma maior liberdade ao indivíduo, já que o Direito não era criado de forma abstrata e absurda (muitas vezes com o objetivo de beneficiar amigos do rei, como é feito no Civil Law).

No Brasil, com o Novo Código de Processo Civil, publicado em março de 2015, deveremos ter um maior respeito ao precedente, se aproximando um pouco mais de como funciona o Common Law, sendo os juízes, desembargadores e ministros obrigados a seguir os precedentes da corte, o que vai gerar uma maior segurança jurídica e, obviamente — como é típico de uma Ordem Espontânea — uma complexidade muito maior. É uma evolução, ainda longe do ideal, mas uma evolução.

Para finalizar, nada melhor do que as palavras de Bruno Leoni (2010, p. 23) para os advogados e juristas em geral:

Parece que o destino da liberdade individual na atualidade é ser defendida principalmente por economistas, em vez de advogados e cientistas políticos.

No que diz respeito aos advogados, talvez a razão para isso seja que estes são, de alguma forma, forçados a falar com base em seu conhecimento profissional e, portanto, em termos de sistemas contemporâneos de lei.

Como teria dito lorde Bacon: “Falam como se fossem compelidos.” Os sistemas legais contemporâneos aos quais estão amarrados parecem reservar uma área cada vez menor à liberdade individual.

Esse chamado de Bruno Leoni é essencial à advocacia, uma classe que deveria ter como missão defender a liberdade individual e não ser subserviente aos políticos de plantão.

A advocacia, profissão liberal por excelência, deve lutar diariamente para que os Direitos Humanos — vida, liberdade e propriedade — sejam respeitados, para que o indivíduo possa exercer sua liberdade política, jurídica, social e econômica todos os dias.

Se você estuda ou estudou essa ordem espontânea que é o Direito, tente sair daquilo que os seus professores estatistas ensinaram e siga as belas palavras do meu amigo Rafael Saldanha: “o Direito não apenas é anterior ao estado, como também é uma ferramenta valiosa para se proteger do estado e de outros criminosos.”

_______________________________

Por Rodrigo Saraiva Marinho

Publicado originalmente em: https://encurtador.com.br/sW9MD

Compartilhe

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pesquisar

©2017-2020 Money Report. Todos os direitos reservados. Money Report preza a qualidade da informação e atesta a apuração de todo o conteúdo produzido por sua equipe.