Desde 1946, quando os cassinos foram proibidos pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra, os brasileiros começaram a viver uma espécie de abstinência em relação aos jogos de azar. Isso, no entanto, não quer dizer que a jogatina foi totalmente banida durante quase oito décadas. Nesses 78 anos, tivemos estabelecimentos clandestinos a granel, além da atuação nada discreta dos banqueiros do bicho na sociedade – e formas legais de burlar a proibição de Dutra, como maquininhas de jogos, bingos e, hoje, as bets.
Chamou a atenção de todos o volume movimentado pelos cassinos digitais, apontado pelo Banco Central: são R$ 20 bilhões gastos mensalmente com apostas on-line. Deste montante, cerca de R$ 3 bilhões vêm de pessoas que recebem benefícios sociais, como o Bolsa-família. Isso quer dizer que, no período de um ano, esse mercado poderá movimentar R$ 240 bilhões. Para se ter uma ideia, todo o setor de eventos no Brasil faz circular na economia R$ 200 bilhões anualmente – e esse é o mesmo faturamento esperado para o segmento de carros elétricos no país daqui a seis anos, em 2030.
O que diferencia as bets das demais oportunidades de jogos (legais ou não) à disposição da sociedade? Pela primeira vez na história brasileira, a jogatina esteve acessível à toda população, pronta para ser utilizada pelos 480 milhões de dispositivos digitais existentes no país (smartphones, tablets, computadores e notebooks). Este parque instalado cobre praticamente toda a sociedade brasileira, incluindo adolescentes e até crianças.
Esse “liberou geral” ocorreu depois de anos e anos de abstinência e chegou em um momento no qual as pessoas estão buscando entretenimento e dopamina através dos aplicativos instalados em seus equipamentos digitais. As apostas on-line acabam suprindo essas necessidades, mas têm efeitos colaterais sombrios.
O endividamento excessivo dos apostadores é um destes problemas – assim como ver pessoas carentes gastando dinheiro com jogos de azar. Os recursos vindos do Bolsa-família representam 15% do total dispendido em palpites a dinheiro pela rede.
Trata-se de um mercado gigantesco, que foi povoado rapidamente. Segundo dados da PwC Strategy&, havia 51 casas de apostas on-line atuando no Brasil em 2020. Hoje, são mais de 300 – e, destas, apenas 26 tinha, até agosto, pedido autorização para funcionar formalmente em 2025, quando entrará em vigor uma lei que regulamenta o setor.
Muitos críticos apontam a ligação entre o crime organizado e a jogatina, algo que ocorreu em praticamente todos os países do mundo e precisa ser combatido com mão-de-ferro. Por outro lado, o jogo é uma realidade que não podemos ignorar e tem o potencial de gerar um volume importante de impostos para o país.
É preciso educar o brasileiro a conviver com a jogatina e, principalmente, mostrar que as casas de apostas são um negócio como qualquer outro. O problema é que, para que elas tenham sucesso, a maioria esmagadora de seus clientes precisa perder dinheiro. No fundo, é como o consumo de bebida alcoólica: em quantidades pequenas, pode ser visto como diversão; mas, quando se abusa, torna-se vício. E nenhum vício é bom para o ser humano.