Muita gente vê nas eleições municipais uma espécie de balão de ensaio para o pleito presidencial que acontece dois anos depois. Neste aspecto, a disputa pelo cargo de prefeito – principalmente nas capitais do país – seria uma espécie de plebiscito que anteciparia as tendências para a escolha do próximo presidente da República.
Seguindo esse raciocínio, nem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou o ex-presidente Jair Bolsonaro podem declarar vitória. Mais que isso: ganha corpo a ideia de que a liderança de Bolsonaro junto à direita e de Lula sobre a esquerda já não é mais a mesma.
A explicação para essa suposta decadência está nos resultados das maiores cidades brasileiras.
Em São Paulo, Bolsonaro fez um acordo para apoiar o prefeito Ricardo Nunes, mas ficou em cima do muro após o crescimento de Pablo Marçal nas pesquisas. Lula também se esmerou na arte de “ghosting” e pouco apareceu na campanha de seu candidato, Guilherme Boulos. No final das contas, Nunes virou o primeiro turno à frente de Boulos contando com o apoio explícito do governador Tarcísio de Freitas, que fez um “all in” no candidato à reeleição e saiu vencedor.
No Rio, Eduardo Paes ganhou no primeiro turno, mas essa fatura já estava liquidada há tempos e o prefeito carioca nem precisou da presença de Lula para ganhar folgadamente. O candidato de Bolsonaro, Alexandre Ramagem, cresceu um pouco na reta final – mas mostrou que o ex-mandatário não domina o eleitorado do Rio.
O segundo turno em São Paulo, assim, surge como a prova dos nove. Lula deve se envolver mais na campanha de Boulos – mas há um problema. O presidente passa por seu pior período de popularidade desde a posse, em 2023. Será que vai ajudar ou atrapalhar? A mesma pergunta vale para Bolsonaro: seu apoio, a essa altura do campeonato, será benéfico ou maléfico para Nunes?
Lula enfrenta um desgaste de imagem de quem está na vitrine política há mais de quarenta anos. Seu terceiro mandato passa a impressão de que suas ideias são recicladas e a política econômica parece repetir a estratégia fracassada de Dilma Rousseff, ao insistir na combinação de gastos públicos com estímulo ao consumo. Apesar disso, o presidente ainda reina sozinho em seu quadrante eleitoral, sem enfrentar o surgimento de uma liderança política de esquerda que possua abrangência nacional.
Este, aliás, é o principal fator de desgaste de Bolsonaro. Desde 2016, ele surfava sozinho na onda conservadora, aglutinando em torno de si eleitores que ficaram muito tempo no armário e queriam se assumir como direitistas. Some-se isso ao fato de que ele se apresentava como um político que lutava contra a corrupção e o sistema. Ocorre que Bolsonaro foi eleito e teve de jogar o jogo político, aliando-se ao Centrão e submetendo-se às vontades de seu partido, o PL.
Diante disso, pode-se dizer que o ex-presidente perdeu parte de suas garras, passando uma imagem mais domesticada. Neste meio tempo, surgiram dois nomes que sacudiram as eleições: Pablo Marçal, em São Paulo, e Nikolas Ferreira, em Minas. A grande exposição desses dois jovens colocou a influência de Bolsonaro em xeque – até porque eles se mostraram mais bolsonaristas que o próprio ex-presidente.
No meio dessa confusão, o pastor Silas Malafaia – um dos porta-vozes do conservadorismo – surgiu para dar uma forte sacudida em Bolsonaro, fazendo críticas ao seu comportamento durante a campanha (e ainda revelou que o capitão chorou por cinco minutos em uma ligação com ele).
Na prática, Lula e Bolsonaro continuam lideranças importantes. Mas talvez já não provoquem o frisson de antes. No caso específico da direita, a impressão que se tem é de que os eleitores querem votar em alguém ainda mais agressivo que o ex-presidente. E, neste quesito, Pablo Marçal faz Jair Bolsonaro parecer um diplomata formado pelo Itamaraty, versado em aulas de etiqueta e negociação de conflitos.
Numericamente, porém, houve mais candidatos vitoriosos da direita do que da esquerda. Isso quer dizer que Bolsonaro recuperou terreno após a derrota de 2022? Talvez. Mas os humores dos eleitores, em especial os do centro, são bastante voláteis. Do mesmo jeito que a direita está em alta agora, pode perder terreno em 2026, especialmente se apostar em políticos extremamente agressivos, como Marçal, que terminou o primeiro turno com uma rejeição recorde, de 53%.
Os estrategistas conservadores, daqui para frente, precisam compreender muito bem o cenário político para traçar suas metas para 2026. Mesmo que isso signifique colocar Bolsonaro em uma posição de coadjuvante em uma eleição da qual, tudo indica, ele não vai conseguir participar,