Muitas vezes, o ambiente político é sacudido por ações difíceis de entender, como a divulgação, por Pablo Marçal (então candidato à prefeitura de São Paulo), de um laudo médico falsificado sobre o oponente Guilherme Boulos. Qualquer pessoa estranharia o pretenso documento – e, em se tratando de alguém que estava em plena campanha eleitoral, era de se esperar que houvesse alguma checagem de informações. Marçal, porém, nem quis conferir as informações contidas no laudo. Fez uma postagem nas redes sociais e tocou fogo no parquinho.
Até hoje, muito gente não entendeu o que o candidato do PRTB queria com essa divulgação. O deputado federal Eduardo Bolsonaro, nesta semana, fez uma “live” na qual contou sua teoria sobre o episódio. “Será que o Marçal queria ganhar a eleição? É óbvio que aquilo [a divulgação do laudo falso] seria um tiro no pé. Eu acho que a missão dele é desgastar o [ex-presidente Jair] Bolsonaro. Pra mim, ele não queria ganhar a eleição. Ele está esperando uma condenação para se pintar ainda mais de antissistema e vender curso pra caramba”, afirmou o parlamentar.
Toda a vez que estamos diante de uma situação difícil de compreender – como é o caso de Pablo Marçal e o documento falsificado –, tentamos encaixar o que aconteceu dentro de nossa linha de raciocínio. E geralmente produzimos conclusões estapafúrdias.
Em 2019, o irmão de Eduardo, o senador Flávio, foi acusado de utilizar uma franquia de loja de chocolates para lavar dinheiro (entre 22 de novembro a 7 de dezembro de 2015, por exemplo, o estabelecimento recebeu pagamentos em dinheiro vivo quase equivalente aos efetuados através de cartões – algo totalmente fora dos padrões).
Imediatamente, as redes sociais começaram a discutir uma tese segundo a qual aquilo tudo seria uma “pegadinha” do então presidente eleito para desmoralizar os veículos de comunicação. Foi uma tentativa de encaixar um fato aparentemente inexplicável a uma narrativa ideológica.
No caso do laudo falso, como na maioria das gafes cometidas na cena política, a explicação mais simples é geralmente a mais provável. Marçal é uma pessoa impulsiva, agressiva e descuidada. Ele recebeu o documento falsificado e, triunfante, acreditou estar em posse de uma prova cabal daquilo que falava desde o início de sua campanha – a acusação (sem evidências reais) de que Boulos era usuário de drogas.
Sem efetuar nenhuma checagem, como fazem os cidadãos comuns, passou a fake news para frente e achou que iria, com isso, ganhar a eleição no primeiro turno. Ocorreu o contrário: o gesto de Marçal foi crucial para que ele perdesse o gás nos últimos dois dias de campanha e ficasse de fora do segundo turno.
Para entender o incompreensível que surge das atitudes dos adversários, na vida política ou nos acontecimentos de dia a dia, precisamos realizar o mais difícil exercício de empatia: tentar raciocinar como os nossos oponentes pensam. O ato de nos colocar nos sapatos de outra pessoa é mais fácil quando gostamos deste indivíduo ou até quando somos neutros em relação a ele. Mas quando nós temos algum tipo de ojeriza em relação ao adversário, é quase impossível compreender como ele pensa.
Mesmo assim, esse é um exercício importantíssimo – seja na política ou na vida pessoal e corporativa.