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Déficit nas estatais federais e estaduais; privatizações nas prefeituras

O Brasil é o país do paradoxo e dos extremos. Nesta semana, tivemos duas notícias que, justapostas, mostram isso. De um lado, houve a divulgação de um recorde no déficit das estatais federais e estaduais: foram R$ 7,4 bilhões de janeiro a setembro, a maior marca já registrada desde que começou o acompanhamento desse índice, em 2002. De outro, está um estudo que mostra a privatização dos serviços de água e esgoto em 1.648 cidades brasileiras – ou quase 30% dos municípios do país.

Trata-se de uma situação inusitada. Temos o governo federal e os estados – que em tese deveriam servir de exemplo para todas as administrações municipais – gastando o que não têm. Em contraposição, as prefeituras dão um exemplo de responsabilidade fiscal, preferindo a iniciativa privada para fornecer serviços que tradicionalmente são oferecidos pelo Estado.

Ao destrinchar o déficit recorde das estatais, vemos que R$ 3,26 bilhões vieram da esfera estadual e R$ 4,18 bilhões das estatais federais (Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal estão fora deste cálculo).

O governo, em sua defesa, apresenta dois argumentos. Um é de que este dado é contábil e não significa necessariamente que as estatais apresentaram prejuízo – e não é utilizado para calcularmos o déficit público total. O outro é que parte expressiva desses R$ 4,18 bilhões é proveniente de investimentos.

Ora, tudo isso pode até ser uma questão de contabilidade. Mesmo assim, as estatais estão gastando além da conta, ainda que esses dispêndios tenham como objetivo investir. Esse movimento ocorre justamente quando o governo está sob observação contínua da sociedade em relação aos seus gastos – e está dando um mau exemplo ao autorizar investimentos quando precisa apertar o cinto.

No extremo oposto, demonstrando bom senso, está um grupo expressivo de municípios que resolveu tirar de seu orçamento a distribuição de água e a prestação de serviços de esgoto – um setor que demanda por investimentos frequentes e vultosos.

Desde o início do Marco Legal do Saneamento Básico, de 2020, saímos de 389 cidades atendidas pela inciativa privada para 1.648 até o início deste mês. A continuidade do marco, no entanto, foi questionada com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, que promulgou uma série de decretos para estimular a atuação das estatais deste segmento (boa parte, no entanto, foi derrubada na Câmara Federal).

Esses dois assuntos – o déficit recorde e as privatizações – têm muito a ver entre si. Boa parte do vermelho das estatais pode ser creditada aos investimentos. Ocorre que as iniciativas de saneamento precisam de capital contínuo e em grandes doses, dada a precariedade do sistema nacional. Lembrando: há 32 milhões de brasileiros sem água tratada e 93 milhões de pessoas vivem sem esgoto. Para mitigar esse cenário, é preciso de uma montanha de dinheiro que as autoridades simplesmente não podem dispender.

Vamos aos números: de março a novembro, foram realizados 54 leilões de concessão. Total do investimento previsto nesses projetos: R$ 160,6 bilhões. Para o ano que vem, estão previstas mais 23 iniciativas. Somente esses projetos vão demandar R$ 72,4 bilhões.

Num cenário em que o governo discute sem parar onde pode cortar despesas, é um contrassenso ter o déficit das estatais batendo recorde – ou ainda desprezar os bilhões de reais que podem vir da iniciativa privada e resolver o problema de milhões de brasileiros. O governo deveria deixar de lado a teimosia típica dos sectários e abraçar o pragmatismo. A sociedade – em especial, os mais carentes – vai agradecer.  

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