Renato Meirelles disse que os dividendos eleitorais só não virão se a inflação corroer o poder de compra
Para além da reação negativa do mercado, que teve como reflexo um dólar em seu maior patamar da história, a avaliação de Renato Meirelles, fundador e presidente do Instituto Locomotiva, é que governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode ter ganhos de popularidade com a ampliação da isenção do imposto de renda para trabalhadores com renda de até R$ 5 mil, desde que a inflação não “coma” a renda extra que deve ser gerada com a medida.
Especialista em comportamento político e de consumo das classes C, D e E, Meirelles avalia que o foco da isenção é a classe C, que sempre ficou “espremida” entre as classes D e E, beneficiadas pelos programas sociais, e pelas classes A e B, com suas poupanças privadas.
“O movimento foi para fazer sobrar mais dinheiro para essas pessoas. Isso é importante, e pode trazer dividendos eleitorais para o Lula. Mas se inflação vier junto e comer esse dinheiro, não vai ter voto”, diz em entrevista à EXAME.
O presidente do instituto de pesquisa afirma que, apesar das críticas de contaminação da discussão pelo anúncio casado da isenção e do pacote de gastos, o governo acertou em trazer boas notícias com um ajuste fiscal que vai impactar os mais pobres.
“O governo, na narrativa que construiu, fez um movimento falando de mais fiscalização nos benefícios sociais, mas também trouxe uma medida positiva, que foi o anúncio da isenção do Imposto de Renda. Isso ajudou a criar um equilíbrio na percepção pública”, afirma.
Meirelles ainda fala sobre a reação do mercado, o papel do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no anúncio e o desafio do governo para conquistar o eleitor que está fora do mercado formal de trabalho.
Veja a entrevista completa com Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva:
Renato, como o anúncio de isenção do IR impacta a popularidade do governo, especialmente com o foco nas eleições e na reconquista do eleitorado da classe média?
Precisamos olhar isso de vários aspectos. Se a pergunta for: ‘alguém vai votar no Lula porque passou a ser isento no Imposto de Renda’, a resposta é ‘não’. Mas se alguém vai votar no Lula porque sobra mais dinheiro no bolso… Essa medida foi claramente pensada para a classe média. É uma população que não tem a poupança que os mais ricos nem é beneficiada por programas sociais. Sempre ficou espremida entre os programas sociais e os benefícios privados das classes A e B.
O Haddad usou a palavra prosperidade na fala dele, e também falou sobre a isenção dos alimentos da cesta básica, inclusive da carne. Ele valorizou que a isenção do Imposto de Renda foi uma promessa de campanha do Lula. O movimento foi para fazer sobrar mais dinheiro para essas pessoas. Isso é importante, e pode trazer dividendos eleitorais para o Lula. Mas se inflação vier junto e comer esse dinheiro, não vai ter voto. Se as bets comerem esse dinheiro, não vai ter voto. O ato coloca mais dinheiro no consumo, mas em condições normais de temperatura e pressão. Se tiver outros escapes de dinheiro, não vai ter voto.
Como você vê o sentimento do mercado em relação ao anúncio da isenção do IR?
Começou um movimento especulativo. O dólar subiu porque quem ganha até R$ 5.000,00 não vai pagar Imposto de Renda, mas quem ganha mais de R$ 50.000,00 vai? Isso é a dificuldade do mercado em entender é que esse foi o modelo econômico que ganhou as eleições, numa democracia. Pode-se discutir o timing, a forma, mas o Lula falou disso desde as eleições de 2022. Ele falou mais de uma vez sobre esse assunto, e agora todo mundo age como se fosse algo novo. A discussão já estava na mesa, o Lula venceu as eleições falando isso. Esse foi o plano econômico vitorioso nas urnas. Qualquer movimento contrário a isso seria um “estelionato eleitoral” que causaria mais prejuízo a Lula.
Considerando que essa medida ainda precisa ser aprovada no Congresso, você acredita que ela trará dividendos eleitorais para o governo no curto prazo, ou só será efetiva em 2026?
O simples anúncio não traz dividendos eleitorais imediatos. O imposto de renda só vai impactar na vida das pessoas em 2026, e até lá, o governo terá outras questões para lidar. O anúncio pode ser positivo para o governo, mas para o público, que percebe o impacto apenas em 2026, pode não gerar um efeito direto.
Uma das críticas é que o governo misturou assuntos no anúncio e contaminou o debate. O governo acertou na comunicação das medidas?
Isso foi, na verdade, uma desculpa para um ataque especulativo que ocorreu. Havia uma expectativa de que as notícias fossem todas negativas para o Lula. Mas a forma como a comunicação foi feita apresentou boas notícias. Boa parte do mercado achou que houve um erro no timing da comunicação. Sobre qual ótica isso foi um erro? Certamente não sob a ótica política. A forma como o ajuste foi apresentado foi uma decisão política. E, eleitoralmente, não foi ruim para o Lula. O mercado estava pressionando para que o governo sofresse uma derrota política, mas isso não aconteceu. O governo, na narrativa que construiu, fez um movimento falando de mais fiscalização nos benefícios sociais, mas também trouxe uma medida positiva, que foi o anúncio da isenção do Imposto de Renda. Isso ajudou a criar um equilíbrio na percepção pública.
Como você vê a escolha de Haddad para ser o porta-voz dessas medidas, considerando especialmente a possibilidade de ele ser sucessor de Lula?
A escolha de Haddad tem mais a ver com seu fortalecimento político do que com um medo da viabilidade das medidas no Congresso. O Haddad já foi candidato à presidência em 2018, e sua escolha para o Ministério da Fazenda o coloca na principal pasta, com até mais destaque que a Casa Civil. Mesmo com a irritação do mercado, ele agradou quem vai no mercado da vida real por cumprir com o que prometeu em sua posse: colocar o pobre no orçamento e rico no imposto de renda. Isso, a meu ver, fortalece a posição de Haddad, não enfraquece. O ministro conseguiu mexer no reajuste do salário mínimo, que era algo impensável há alguns meses. Ele está criando uma narrativa de governabilidade com um plano claro.
Essa medida de isenção do IR tem potencial de capturar para o governo eleitores que votaram em figuras como Pablo Marçal nas eleições municipais?
Não, essas medidas de isenção de Imposto de Renda e a discussão da escala 6×1, por exemplo, são importantes para a classe C formalizada, que está no mercado de trabalho. Mas ainda falta um avanço maior para alcançar os empreendedores informais, como um motorista de Uber ou uma boleira. O governo precisaria focar mais nesse segmento, com ações específicas para facilitar o crédito, por exemplo. Só assim essas pessoas podem ser atraídas para o campo de influência política do governo.
E as medidas de crédito para microempresários são suficientes para atender esse público?
A medida de crédito é um avanço, mas ela precisa ser acompanhada de medidas para não aumentar o endividamento. O governo precisa garantir que o crédito seja acessível e sustentável, senão vira uma política de distribuição de renda sem efeito prático. Além disso, o apoio a pequenos negócios, com compras governamentais e mais facilidades, poderia ajudar muito nesse sentido. Mas, de forma geral, o governo ainda precisa fazer mais para atrair esse público.
Por André Martins
Publicado originalmente em: cutt.ly/IeZWXOdH