Os resultados refletem a desconfiança com o governo Lula, que gasta demais, ignorando os alertas do mercado, do Banco Central e da Fazenda
A velha crítica segue válida. O Brasil não perde a chance de perder chances em série. Foi o que resultou no dólar com a mais alta cotação da história, a R$ 6,26. Foi também a maior elevação em um único dia, desde 10 novembro de 2022 (4,10%), com 2,82%. A bolsa caiu mais de 3%, aos 120.771 pontos, atingindo o menor nível desde o fim de junho. Também foi o maior recuo desde 10 de novembro de 2022 (3,35%). E não faltaram alertas.
Mas a economia não vai bem? Sim. É que o governo está mal. E aí reside todo o problema, que soa insolúvel, já que não há sinal de redução dos gastos públicos, que se seguirem em elevação vão forçar de modo daí sim descontrolado a taxa de juros e o câmbio. Em adição, há a relação tóxica do Executivo com o Legislativo e até dentro do governo na hora de definir um pacote eficiente de cortes de gastos. O dívida pública brasileira é uma dos mais elevadas do mundo, batendo 76% do PIB, o que pode chegar a US$ 1,65 trilhão em 2024.
Para piorar, os agentes financeiros repudiaram as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Fantástico, que deram a entender que governo não pretende conter tanto as despesas, por temer abalar políticas sociais e promessas de campanha. Essa desconfiança pode gerar um efeito contaminante, o que afastaria investimento estrangeiro direto (IED), por exemplo. No primeiro semestre foram benfazejos US$ 802 bilhões, atrás apenas dos Estados Unidos. Apesar do governo celebrar o resultado, essa dinheirama pode bater asas, ainda que possa demorar, afinal parte são ativos físicos.
Assim, o resultado do dólar justifica em parte o aumento da taxa de juros pelo Comitê de Política Econômica (Copom), que na semana passada foi de 11,25% para 12,25%, o que era até esperado, apesar de amargo. O choque veio com ata do Copom, divulgada na terça (17), indicando que a Selic pode bater 14,25% em março.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, passa semanas para definir ajustes que permitam a economia de mais de R$ 375 bilhões até 2030. O temor é o que vai voltar da Câmara e do Senado. Na noite de terça (17), junto com a Reforma Tributária, os deputados aprovara o primeiro projeto de lei complementar do pacote de corte de gastos obrigatórios, que restringe a concessão de incentivos fiscais em anos de déficit primário e permite o corte linear de emendas parlamentares na mesma proporção do corte dos gastos discricionários (não obrigatórios). Em tese, os deputados votarão nesta quarta o restante do pacote, mas a sessão não havia começado até o fim da tarde.
Daí o bom desempenho da economia pode desacelerar. Ou seja, todo o consumo represado desde a pandemia e o otimismo – minguante – com a eleição de Lula dissolvem. E não há boa notícia que ajude, dada a necessidade de investimentos externos. Nem mesmo o anúncio da terceira redução seguida das taxas básicas norte-americanas resultou em alívio, tamanha é a desconfiança por parte do mercado financeiro, que há meses sinaliza seus temores, conforme mostram há semanas os Boletins Focus, do Banco Central. O preço do dinheiro nos EUA ficaria entre 4,25% a 4,50% ao ano, após corte 0,25%.
Mesmo assim, é preciso pontuar. Nesta quarta-feira (18), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revisou a projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro de 3,3% para 3,5% em 2024. A taxa de desemprego caiu para 6,2% no trimestre encerrado em outubro. O menor resultado desde 2012, aponta a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. A massa salarial cresceu 3,3%, no comparativo aos primeiros 8 meses do ano. A renda média das famílias encorpou em 1,4% (de janeiro a agosto de 2024 em relação ao ano anterior), com o desemprego caindo para 6,4% no terceiro trimestre (perante o pico de 14,9% no auge da pandemia, no primeiro tri de 2021). Por trás de tudo isso há o colchão de US$ 370 bilhões em reservas internacionais, maior patamar em cinco anos. Então o que ocorre?
A inflação considerada controlável pelo BC já ultrapassou o teto de 4,50% da meta, atingindo em novembro 4,87% no acumulado em 12 meses. No ano, está em 4,29%, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que determina oficialmente a curva de preços. Ou seja, é preciso dar um acentuado freio de arrumação nos gastos.
O que MR publicou
- O que aponta a ata do Copom, que projeta Selic em 14,25% sem alívios
- O problema do governo não é comunicação – é o próprio governo
- O mercado financeiro se desencanta de vez com o governo
- O Brasil é um dos campeões em “impulso fiscal”
- Lula cada vez mais parecido com Dilma – até nos problemas
- Alta dos juros nasceu das teimosias do governo e da Faria Lima