Nesta véspera de Natal, muitos religiosos condenam o ímpeto consumista que toma conta de todos ao final de dezembro. E lembram que esta data deveria ser percebida sob uma ótica cristã, já que celebra o nascimento de Jesus. Ocorre que o Brasil é um país no qual temos uma figura rara no mundo, a do católico não praticante. Isso cria uma dinâmica própria: pessoas que têm uma crença, mas não seguem os preceitos religiosos ou não estão intimamente sintonizadas com princípios cristãos.
Entre os evangélicos, isso ocorre em escala bem menor. Esse extrato de pessoas é mais conectado à religião, com o costume de frequentar cultos e ler a Bíblia. Portanto, podem estar mais sintonizados com a saga de Cristo e se preocupar mais em celebrar seu nascimento.
No passado, mais especificamente na década de 1940, o Brasil chegou a ter 95% de seguidores da Igreja Apostólica Romana. Essa hegemonia moldou costumes e abriu espaço para o tal católico não-praticante.
E de onde vem essa crença sem grandes raízes? Para responder a essa pergunta, tenho uma tese particular, que precisa de maior embasamento e de pesquisas. Mas a minha teoria é a de que boa parte da população brasileira é formada pelos chamados cristãos-novos, pessoas que vieram de famílias originalmente judias e que, por conta da inquisição ou outro tipo de perseguição religiosa, tiveram se converter ao cristianismo. Essa mudança produziu católicos sem grande entusiasmo e esse comportamento pode ter sido passado de geração para geração.
Mas temos também de no lembrar que há celebrações mais antigas que o Natal e têm origem antes do chamado Anno Dommini. Uma delas é o Hannukkah, que é uma estação judaica comemorada de 7 a 25 de dezembro. Esta é a celebração da retomada do Segundo Templo em Jerusalém em 160 A.C. Na época, a região era dominada pelos gregos e o então rei Antíoco IV Epifânio decretou que povo local tinha de adorar Zeus e os demais deuses gregos no Templo erguido pelo líder israelita Zorobabel.
Há outra festividade desta mesma época, chamada de Saturnália. Tratava-se de era uma festa pagã em homenagem ao deus romano Saturno, o deus da agricultura, e durava sete dias, com início em 17 de dezembro. Essa festa, concebida para que Saturno ajudasse os mortais no início das plantações, era marcada pela… troca de presentes entre os romanos.
Apenas no Século 4 é que o imperador Constantino tomou uma série de decisões em relação ao cristianismo, àquela altura bastante forte em Roma. Foi responsável pela disseminação do texto bíblico e também por definir, através do Papa Júlio I, o dia 25 de dezembro como a data oficial de nascimento de Jesus Cristo.
Hoje, estamos mais sintonizados com a Saturnália do que com o Natal ligado ao messias cristão. Será que a humanidade caminha para um materialismo crescente, sem se preocupar com o lado espiritual da vida? O dia de hoje é uma boa oportunidade para refletirmos sobre o nosso papel neste planeta e qual deveria ser o nosso grau de espiritualidade.
Independente da questão religiosa, Jesus Cristo deixou ensinamentos sobre bondade, solidariedade e fraternidade – valores que deveriam ser incorporados por todos nós em nossos cotidianos. Mas a vida, em sua crueza e competitividade, nos deixa menos elevados e mais sintonizados com os prazeres da carne e as necessidades materiais.
A noite de Natal, para boa parte dos brasileiros, é uma oportunidade para encontrarmos a família e tentarmos superar diferenças que são fomentadas durante o ano. Entrarmos no espírito natalino e buscarmos a compreensão e a integração. Não é algo fácil. Pelo contrário. Ser magnânimo e deixar brigas no passado não é para qualquer herói. Mas se pelo menos tentarmos fazer isso, já seremos pessoas melhores.
Feliz Natal.
P. S.: um último comentário sobre a figura de Papai Noel, cujo uso da cor vermelha é creditado por muitos à Coca-Cola. Na verdade, um dos heterônimos do bom velhinho, São Nicolau, era caracterizado com uma espécie de robe vermelho. E o que tem a Coca-Cola a ver com isso? Na década de 1930, a empresa começou uma campanha de Natal, usando Papai Noel como garoto propaganda. A ideia era mostrar que o refrigerante não era apenas uma bebida para ser consumida no verão, mas também no inverno americano. Essa imagem correu o mundo e serviu para popularizar a imagem daquele que traz os presentes para as crianças que se comportaram bem durante o ano.