Com exclusividade, diretor de negócios detalha os planos para o futuro — que podem incluir até a compra do TikTok nos EUA; startup nasceu em 2022 e já vale US$ 9 bilhões
Primeiro os chips, depois o TikTok. Agora, a inteligência artificial é o novo ponto de embate entre China e Estados Unidos. A chegada da DeepSeek R1, um modelo de IA de código aberto desenvolvido por uma startup chinesa, intensificou esse embate. Com um custo de desenvolvimento de apenas US$ 6 milhões — muito inferior aos US$ 100 milhões do GPT-4 —, o modelo se tornou um marco para defensores de uma IA mais descentralizada. Mas, no meio dessa disputa, há uma empresa americana que vale atenção: a Perplexity.
O tema ganhou ainda mais força com a pressão do governo dos EUA para limitar a influência da China na tecnologia. Donald Trump, que tentou banir o TikTok do país durante seu mandato, voltou a defender restrições a empresas chinesas, tornando o controle da IA uma pauta central da corrida eleitoral.
Nesse cenário, a Perplexity se posiciona como um dos principais nomes na transição dos grandes modelos fechados para uma abordagem aberta e acessível. Em 2025, foi a primeira empresa americana a adotar a DeepSeek R1, deixando claro que a competição não é apenas entre países, mas entre filosofias diferentes de IA.
A Perplexity também desafia gigantes da tecnologia em outras frentes. Seu modelo de busca responde 20 milhões de perguntas por dia e já é visto como uma alternativa real ao Google, ao entregar respostas diretas sem depender de links dispersos. Agora, a empresa entra em um jogo ainda maior: apresentou uma proposta para comprar o TikTok nos EUA, em um modelo no qual o governo americano poderia deter até 50% da operação.
Dmitry Shevelenko, diretor de negócios da startup e ex-executivo de Uber e Facebook, acredita que o futuro da IA não será definido por quem possui o modelo mais potente, mas por quem consegue conectar as melhores inteligências disponíveis. “A disputa agora é por integração”, afirma.
Vocês se enxergam como um substituto do Google ou como uma solução complementar?
O que estamos fazendo é expandir a utilidade da internet. A média de palavras em uma pergunta feita na Perplexity é de 10, enquanto a média de uma busca no Google é de apenas duas. Ou seja, as pessoas fazem perguntas que nem fariam sentido tentar no Google. Parte disso, claro, representa uma disrupção na busca tradicional. Nosso crescimento superou todas as expectativas, mas ainda estamos no começo. A maioria das pessoas no mundo ainda não fez uma pergunta para a Perplexity, então grande parte do nosso trabalho ainda está por vir.
Com a introdução de um assistente de voz e a integração com aplicativos, a Perplexity está expandindo sua atuação. Isso é uma evolução natural ou uma resposta à concorrência de gigantes como Microsoft e Google?
Tudo volta à pergunta: “como podemos responder a mais questões e resolver mais problemas para as pessoas todos os dias?”. Trabalhamos de trás para frente a partir disso, buscando maneiras de tornar o acesso mais fácil. Para nós, a questão não é tanto reagir à concorrência, mas sim explorar novas capacidades que possam ser úteis. Um bom exemplo disso é nossa implementação do modelo de código aberto da DeepSeek. Fomos os primeiros a disponibilizá-lo de forma segura. Com o suporte da busca, ele funciona sem censura e exibe de forma clara o raciocínio e a cadeia de pensamento na interface. Recomendamos que todos testem, porque é realmente poderoso.
Há algum risco em ser a primeira empresa americana a adotar a DeepSeek?
Não, porque estamos hospedando tudo internamente. Nenhum dado está sendo enviado para a China e não recomendaria que ninguém fizesse isso. Mas acho que, no fim das contas, a competição geopolítica também é uma questão de produtividade nacional. Se os EUA ou o Brasil conseguirem aplicar melhor as tecnologias de IA, terão economias mais resilientes.
A Perplexity está introduzindo perguntas patrocinadas para integrar publicidade e, consequentemente, gerar lucro. Como fazer isso sem afetar a confiança dos usuários?
Nos comprometemos a nunca alterar uma resposta com base em quem são nossos parceiros. A integridade das respostas é algo que seguimos com total dedicação. O que estamos fazendo com perguntas patrocinadas é permitir que marcas insiram uma pergunta sugerida dentro das questões relacionadas. Mesmo quando o usuário clica nela, a resposta gerada continua sendo orgânica — não permitimos que a marca edite essa resposta.
A Perplexity tem uma estimativa de quanto de receita pretendem trazer com esses patrocínios?
Não podemos dar detalhes. Espero que, a longo prazo, a publicidade seja uma parte muito grande do nosso negócio. Mas não há pressa imediata para chegar lá. Queremos primeiro descobrir o modelo, garantir que ele funcione bem para usuários e anunciantes e, então, ampliá-lo.
Você firmou parcerias com grandes veículos como Time e Der Spiegel para a extração de informações. Esse modelo pode ajudar a reduzir as tensões entre a IA e a indústria do jornalismo?
Criamos um programa para veículos jornalísticos que nos permite compartilhar receita com eles, o que consideramos uma forma muito eficaz de alinhar incentivos. Temos recebido um ótimo feedback e uma lista com mais de 150 interessados. No Brasil, estamos em conversas com alguns veículos, embora ainda não tenhamos anunciado nenhuma parceria formal. Mas isso deve acontecer em breve — quem sabe até com a sua publicação!
Quais as iniciativas para crescer no Brasil?
Fechamos uma parceria com a Vivo, oferecendo o Perplexity Pro para os assinantes da operadora. Esse foi nosso primeiro grande passo no mercado brasileiro, e temos visto um crescimento orgânico significativo. Ainda estamos no começo, mas queremos investir mais no país, inclusive contratando um gerente geral para liderar a operação local. O Brasil é um mercado fortemente baseado em Android, e acreditamos que o assistente de voz do Perplexity será muito poderoso aí. Queremos focar na experiência mobile, em vez do desktop, porque já percebemos que o uso intenso do celular é uma tendência forte no país. Esse comportamento molda nossa estratégia, e vamos continuar investindo nessa direção.
Os EUA têm manifestado preocupações sobre a concorrência da China no desenvolvimento de IA. Ainda há espaço para colaboração global?
Certamente há uma concorrência saudável. No fim das contas, os usuários estão saindo ganhando, já que esses produtos estão sendo disponibilizados globalmente. Mas é importante que os EUA preservem sua vantagem. Somos uma empresa americana e aproveitamos esse cenário usando que o R1 é código aberto, garantindo que ele acelere o desenvolvimento de produtos e o treinamento de modelos conduzidos por empresas dos EUA. Elas podem se beneficiar das descobertas da equipe da DeepSeek e serem as primeiras a aplicá-las.
A Perplexity é uma das empresas que tenta comprar parte do TikTok nos EUA. Como a tecnologia poderia ser integrada ao aplicativo de vídeos curtos para aprimorar experiências com IA?
Como você pode imaginar, não posso comentar sobre os detalhes da proposta. O que posso dizer é que a busca já é um comportamento natural dentro do TikTok, e acreditamos que a tecnologia da Perplexity pode torná-la ainda mais poderosa. Isso vale independentemente de quem acabar controlando a plataforma. Se pudermos fazer parte da solução, seria uma honra para nós.
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Por Laura Pancini
Publicado originalmente em: https://encurtador.com.br/LIcjY