Em 1974, o general Emilio Garrastazu Médici, então presidente do Brasil, deu uma entrevista à revista Visão e disse uma frase que repercute até hoje: “A economia vai bem, mas o povo vai mal”. Embora proferida durante a ditadura militar, essa sentença poderia ajudar a explicar a realidade brasileira atual. Temos uma massa salarial forte e um índice de desemprego baixo – o que sinalizaria uma economia forte. Por outro lado, vemos no país uma inflação que teima em não cair, ao lado de índices crescentes de inadimplência e juros em processo de alta.
A combinação destes fatores mostra que o povo, de maneira geral, não está sentindo os ventos favoráveis da economia, como vivem insistindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Fernando Haddad. No plano das ideias, Lula é visto por boa parte dos eleitores como ultrapassado e há um fenômeno econômico que vem tirando o sono dos apoiadores do governo.
Com a inflação em alta, a ferramenta mais utilizada para combater o crescimento dos preços é a elevação dos juros. Mas um efeito pernicioso deste aperto monetário é a diminuição na oferta de crédito e a expansão dos índices de inadimplência.
Vejamos, por exemplo, os números que foram divulgados ontem, relativos ao mercado imobiliário (que afetam mais a classe média que as camadas mais pobres da população). O Banco Central divulgou que a retomada de imóveis por bancos chegou ao maior volume em 4 anos. Os dados disponíveis são de janeiro a novembro de 2024, quando as instituições financeiras retomaram cerca de R$ 80 bilhões em valor de propriedades imobiliárias. Somente a Caixa Econômica Federal viu seu estoque de imóveis retomados crescer de 20.200 unidades em 2022 para 50.400 unidades no ano passado.
Para a Confederação Nacional do Comércio, haverá um aumento no atraso de pagamento de dívidas, hoje presente em 29,1% das famílias brasileiras. Segundo a CNC, chegaremos em dezembro com esse índice batendo em 29,9%.
Mais um detalhe que contribui para o mau humor dos estrategistas políticos governistas: os gastos com alimentação chegaram a 22,61% do orçamento de quem ganha de um a um e meio salário-mínimo. Em janeiro de 2018, essa proporção era de 18,44%. Ou seja, a inflação dos alimentos está corroendo o poder aquisitivo dos mais pobres.
Esse cocktail de fatores indigestos – aliados ao desgaste surgido com a chamada crise do Pix – contribuiu para a queda da popularidade do presidente Lula, que tem a aprovação de apenas 24% da população, de acordo com pesquisa do Datafolha de 14 de fevereiro. Mas um desdobramento deste estudo, divulgado ontem, mostra que a reprovação de Lula caiu no Nordeste, seu maior reduto eleitoral.
Nesta região, 49% dos entrevistados qualificavam o governo como ótimo ou bom. Na última enquete, porém, apenas 33% mantiveram essa opinião. É muito pouco para os petistas. A fórmula da vitória de Lula nas últimas eleições foi a de perder por pouco no Sul e Sudeste e ganhar de lavada no Nordeste. O número superior de votos nordestinos foi suficiente para reverter a desvantagem nos demais estados e chegar à vitória. Com a queda de popularidade no Nordeste, contudo, não haveria como repetir essa fórmula e a derrota passaria a ser um cenário altamente plausível para o núcleo duro do Planalto.
Ainda há tempo para retomar a competitividade de Lula em 2026? Sim. Mas o imbróglio da economia precisa ser resolvido rapidamente – e é aqui que se encontra o problema. O Banco Central deve manter os juros em crescimento até pelo menos setembro deste ano. Em tese, haveria tempo para diminuir as taxas e desacelerar a inflação até o início da próxima campanha presidencial. Mas ainda não se sabe se a economia vai reagir imediatamente à queda de juros. Por isso, o governo guarda uma carta na manga, a do crescimento dos empréstimos consignados. Isso pode trazer um alento ao comércio e, se der certo, tem condições de inverter a tendência de queda econômica prevista para o segundo semestre.
O problema é que esse truque – o de turbinar o consumo – já está manjado pelos empresários, que dificilmente irão investir na expansão de sua capacidade produtiva por conta de picos pontuais de vendas. E, sem investimentos, o país ficará estagnado e sempre ameaçado pela alta dos preços. Exatamente como ocorreu no governo de Dilma Rousseff.